O amor libera, não encarcera
Por Daisaku Ikeda

Para qualquer pessoa saudável, é muito natural apaixonar-se assim como é para as plantas florescer na primavera. Mesmo sendo livres para nos apaixonar ou para nos sentirmos atraídos por alguém e, embora a ninguém seja correto invadir os assuntos alheios, eu gostaria de explicar o quanto é importante não perder de vista o esforço pelo nosso desenvolvimento pessoal. Claro que no amor não há regras, assim como no matrimônio e ninguém tem o direito de restringir o outro de maneira alguma. Mas causa muita pena ver uma mulher envolvida em relações frívolas causadoras de sofrimentos e angústia, quando deveria ser plenamente satisfeita e feliz. 

Meu mestre dizia que quando uma mulher estabelece relações partindo de sua própria dignidade, todos os problemas se resolvem. Ao contrário, quando uma mulher adota uma atitude impensada, e toma o amor de maneira apressada, invariavelmente termina por lamentar-se e sofrer. Por suposto, isto não se aplica apenas às mulheres. 

Para mim, o amor deveria ser uma força para nos ajudar a expandir nossa vida e fazer emergir nosso potencial com nova vitalidade. Mas, ainda que isto seja o ideal, muito freqüentemente perdemos a objetividade ao nos apaixonar. No entanto, há perguntas que valem a pena fazer: "Essa pessoa me inspira desejos de trabalhar mais e melhor ou me distrai do que tenho que fazer? Sua presença me estimula a redobrar a dedicação a minhas atividades, a ser uma pessoa melhor? Ou esta pessoa se converteu no centro de minha vida e tende a obscurecer todo o resto?"

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Daisaku Ikeda é pacifista, escritor, filósofo, fotógrafo e poeta.  Também conhecido como "Embaixador da Paz", é presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), uma ONG, com base budista,   filiada às Nações Unidas, que atua nas áreas da cultura, educação, paz, meio-ambiente, desarmamento nuclear e apoio a refugiados de guerra.

Se estão descuidando de sua missão na vida, se devido a uma relação sentimental esquecem o propósito de sua existência como sujeitos autônomos, temo que tenham tomado um caminho equivocado. Em uma relação saudável, cada membro do casal anima o outro a alcançar suas metas pessoais e ao mesmo tempo compartilham os mesmos sonhos e aspirações. Uma relação de amor deve ser motivo de inspiração, vitalidade e esperança. Em vez construir um relacionamento fechado, um mundo onde só há um lugar para dois, é muito mais saudável que cada um aprenda com as virtudes e qualidades do outro e mantenha o esforço de aprimorar-se e desenvolver-se a si mesmo. 

Antoine de Saint-Exupéry, autor de O Pequeno Príncipe, escreveu:" O amor não consiste em duas pessoas que olham uma para outra, mas sim em duas pessoas que olham juntas para a mesma direção." Mesmo que alguém use o amor como fuga, a euforia não durará por muito tempo. O choque com a realidade trará dores e tristezas. Dito de outra forma, não há como fugir de si mesmo. Quando uma mulher persiste em sua própria fragilidade interior, o sofrimento a perseguirá por onde quer que ela vá. É duro reconhecer, mas nenhum ser humano pode encontrar a felicidade se não começar por transformar o seu interior.

Além disso, a felicidade não é algo que alguém possa dar aos outros; não é algo que o ser querido venha a nos outorgar. Cada um tem que construí-la por seus próprios meios. E a única maneira de fazê-lo é desenvolvendo nossa personalidade e nossos valores como seres humanos, desdobrando-nos ao máximo em nosso potencial interior. Muitas vezes, em nome do amor, sacrificamos nosso próprio crescimento e nossas capacidades, porém, dessa forma, jamais haverá uma felicidade que resulte convincente e satisfatória.

Ainda que minhas palavras pareçam estritamente paternais, gostaria de dizer algo sobre as mulheres jovens que têm a tendência a ser vulneráveis à sedução de seu parceiro. Quando isso acontece, a mulher exibe um aturdimento, uma percepção distorcida das coisas, que a leva a se comportar como se houvesse perdido a faculdade de tomar decisões equilibradas e serenas. Como geralmente são as mulheres que saem mais feridas, creio que têm todo o direito do mundo de valorizar ainda mais sua dignidade e a buscar seu bem-estar de forma irrenunciável.

 Por essa razão, penso ser fundamental às mulheres jovens fortalecerem o respeito em direção a si mesmas e adquirirem uma sólida força interior. Quando uma mulher busca aprovação, constantemente, não faz nada mais do que degradar-se frente a si mesma e às demais pessoas. Se num contexto amoroso, não se sentem tratadas como pede seu coração, espero que atuem com coragem e dignidade: é melhor correr o risco de estar só por um tempo, antes de aceitar uma relação que as façam infelizes. 

O amor verdadeiro não nos torna dependentes das pessoas. Ele só pode ter lugar entre dois seres humanos fortes e seguros de sua individualidade. Quem possui uma visão egoísta e uma visão superficial da vida só poderá construir relações superficiais. Se querem experimentar o amor verdadeiro, não têm por que submeter-se ao que o outro deseja que façam ou fingir ser quem não são. O amor ideal só é possível entre duas pessoas sinceras, maduras e independentes.

Gratidão e objetivos comuns: os ingredientes para uma convivência feliz.

Como deve comportar-se marido e mulher? Não é uma pergunta fácil de responder. Às vezes, as circunstâncias conspiram de um modo estranho. Vê-se casais que terminaram se divorciando por causa da riqueza ou de uma vida fácil. Ou ocorre também que um período assinalado por todo tipo de problemas- ao mesmo para quem vê de fora- resulta ser a época de maior felicidade para um casal e motivo do fortalecimento de sua união. 

Mas a diferença da atração, que muda com o vaivém das situações, do verdadeiro amor, concebido como um vínculo mais profundo que pode unir dois seres humanos, é algo que desenvolve a força de enfrentar tormentas. É claro que isto não significa que uma das partes deva ceder sempre às exigências do outro, ou que a felicidade de um possa construir-se às custas do companheiro.

Nem o marido deve ser o centro da relação nem tampouco deva ser a mulher. Em um matrimônio sólido não interessa se alguém ocupa o lugar de liderança, nem quem se sacrifica para que o outro logre o êxito ou a felicidade. Assim como uma bela canção é a fusão harmoniosa entre música e poesia, do mesmo modo a vida em comum requer igualdade entre marido e mulher para que ambos, juntos, possam interpretar a magnífica melodia da vida. 

Qual é a linda melodia que resulta na união entre dois companheiros de vida?

Essa é a pergunta... Perguntam-me quais são os principais ingredientes de uma convivência profunda e harmoniosa. Pois bem, remeto-me a minha experiência de vida: as coisas mais importantes são o agradecimento e a existência de um objetivo em comum.

Se me permitem uma comparação, as famílias de hoje em dia são como um avião em vôo, chacoalhando por causa dos ventos que mudam constantemente: os co-pilotos têm a responsabilidade de levar o avião ao destino, sem acidentes, para deixar a salvo sua perigosa carga. A estabilidade de um avião em vôo exige uma firme direção, uma propulsão potente e um esforço constante. E, como é evidente, para que um avião aterrize a salvo é indispensável que ambos co-pilotos mantenham a vista na mesma direção.

Este é um bom momento para contar uma história. Havia uma mulher que levava muito tempo prostrada na cama, com uma profunda depressão. Um médico conhecido da família, bom conhecedor da situação, aviou uma receita e entregou-a ao marido. Quando o homem leu as indicações, surpreendeu-se muitíssimo pois o doutor havia escrito: "Quando seu esposo lhe der o remédio, beba-o depois de dizer-lhe 'Obrigada', três vezes". Pareceu-lhe uma prescrição meio estranha, mas como estava sublinhada, antes de tomar o remédio agradeceu o marido, de forma especial, três vezes. Então ela se deu conta de que há muito tempo não usava essa palavra para seu companheiro. À medida que começou a pôr em prática esta "terapia do agradecimento", sua saúde e felicidade foram retornando pouco a pouco. Uma humilde expressão de gratidão torna uma pessoa bela, não só de coração mas também o seu aspecto físico. 

Nem há necessidade de esclarecer que esta lição também se aplica aos esposos! 

Os ingleses têm um provérbio que encerra uma certa cota de sabedoria: "Abrir os olhos antes do matrimônio e semi cerrá-los depois de casar-se." Tanto o marido como a mulher devem esforçar-se para serem tolerantes, e para terem um coração magnânimo na hora de perdoar as faltas e erros menores que comete o companheiro. Quando alguém é julgado e criticado o tempo todo, custa muito ter desejos de mudança, mesmo sabendo que a crítica é pertinente. 

Há uma outra história que diz muito sobre o amor entre marido e mulher. Recomendo que leiam o conto "O Presente de Natal", de O. Henry. Nele o autor conta a história de Della e Jim, um casa jovem e pobre, que vivia em um quarto alugado, quase sem móveis. Era véspera de Natal, e ambos estavam pensando que presentes iam dar um ao outro, como mostra de seu amor. Ela queria presentear seu marido com uma corrente para prender ao relógio de ouro que herdou de seu avô e que lhe causava tanto orgulho. A corrente custava vinte e um dólares mas ela só tinha oitenta e sete centavos. A única coisa que podia vender eram seus cabelos castanhos, de brilho intenso e tão compridos que chegavam até os joelhos. Para Della, como para quase toda mulher, os cabelos são um atributo feminino muito apreciado. Mas fez o sacrifício de vendê-los a um fabricante de perucas e com o dinheiro comprou uma magnífica corrente de prata.

Chegou em casa com o coração na boca e aguardou, ansiosamente, o regresso do marido. Quando ele a viu, com uma expressão muito séria, lhe entregou o presente que lhe havia comprado: um par de lindos enfeites de tartarugas marinhas para adornar seus cabelos. Della, então, tratou de consolá-lo assegurando-lhe que eles cresceriam depressa enquanto lhe dava a corrente de prateada. Jim desmanchou-se no sofá e lhe disse, com uma risada: "Della, guardemos nossos presentes de Natal por um tempo. São belos demais para que o usemos agora. Vendi meu relógio para comprar-lhe os enfeites".

Nesta história, cômica e patética, os presentes são um símbolo do amor profundo que existe entre os dois. Cada um sacrificou algo muito querido para comprar para seu companheiro um presente apropriado. Mas ao trocar os pacotes, vêem que não há mais relógio ao qual pendurar a corrente, nem há mais cabelos castanhos para adorná-los com os enfeites. Ambos os presente tornaram-se inúteis para eles. Um casal jovem e moderno diria que se houvessem tomado a precaução de conversar de antemão sobre os presentes, haveriam se prevenido de um gasto inútil. Mas a história põe em relevo algo que transcende esse tipo de lógica calculista: ilustra a beleza do amor profundo entre dois seres que compartilham a vida.

O amor indestrutível irradia a beleza de um destino compartilhado.

O amor pode adotar um milhão de formas distintas. Às vezes, para quem olha de fora, o marido parece ser insuportavelmente autoritário e, no entanto, o casal se mantém unido com um grau de harmonia surpreendente. Em outros casamentos, a mulher sempre parece impor sua vontade, e não obstante, a convivência transcorre fluindo em clima de paz. Na realidade, as aparências externas não são importantes. Tenho sentido, sempre, que quando um casal compartilha durante um longo tempo as alegrias e os dissabores da vida, entre ambos se forma um vínculo muito profundo, que não pode ser cortado por forças externas. Não estou falando do amor direto e aberto que circula num casal jovem, mas de um sentimento muito vasto e profundo, arraigado em um destino compartilhado e construído a dois. 

Tenho visto este tipo de amor em uns vinte ou trinta casais mais velhos, e tenho sentido a atmosfera de indescritível plenitude e maturidade que estas pessoas irradiam ao seu redor. Nestes casais, não encontraremos as lamentações de certas pessoas idosas. E ainda que tenham tido uma vida difícil, em seu rosto não há indício, nem um tom de tristeza. O que transmitem é uma poderosa sensação de segurança de si mesmas e independência: a que colheram duas pessoas que conseguem atravessar juntas as horas mais difíceis da vida, agradecidas e conscientes do tempo lhes resta para seguir caminhando juntas. 

Em uma boa convivência, o apoio do companheiro se baseia na valorização, na confiança e no agradecimento ao invés dos inimigos maiores que atentam contra o desenvolvimento do ser querido: a queixa, o capricho, a crítica e o menosprezo. Qualquer mulher que se baseie numa fé firme e comprometida poderá desenvolver sua sabedoria inata e a manifestará com palavras positivas e calorosas. Se me permitem uma observação, os benefícios de um coração caloroso e encorajador só se têm a longo prazo, mas as conseqüências de uma atitude fria, ingrata ou queixosa sente-se imediatamente. 

Nitiren Daishonin disse que quando somos encorajados e elogiados, desejamos nos sacrificar ilimitadamente e não economizamos esforços para isso. Mas quando somos censurados, o ressentimento nos leva a causar a nossa própria ruína. Tal, disse Buda, é o valor das palavras de encorajamento.

A fé se traduz em um coração profundo e sábio, propenso a valorizar o esforço alheio e gerar boa vontade no ambiente ao seu redor. Esta sabedoria encontra expressão de maneiras concretas, e é a que nos conduz a mudar nosso enfoque quando estamos equivocados. Em suma, é o que determina uma diferença crucial para a convivência: a que há entre oferecer soluções e acrescentar problemas. Isso, falo como homem: quando o marido chega em casa extenuado e carregado de tensões, ao fim desta "guerra" que é luta pelo sustento, lhe asseguro que o que mais necessita é atenção, diálogo e encorajamento: estas são as coisas que permitem, no dia seguinte, seguir desdobrando-se em seu esforço e sua capacidade.

Ao mesmo tempo, quando os filhos retornam da escola, o que desejam receber é a ternura e a harmonia de sua mãe. Ao escutá-los e abraçá-los com paciência, ela consegue fazer com que sintam que "está tudo bem", ainda que o dia de aula tenha sido povoado de maus momentos e das dores de crescimento. `As vezes não saber detectar estas duas funções leva as mulheres a descuidos, assoberbadas que estão pelos atropelos da vida cotidiana. 

Eu entendo bem a situação: chegam extenuadas pelo dia de trabalho e apenas têm forças para lutar contra o seu próprio cansaço. Não lhes parece justo ter que atender, em primeiro lugar, os outros. O coração de esposa e de mãe se fecha, e isso produz um dano para toda a família, como uma instalação que fica sem um fio ligado à terra. Mas o amor é uma força muito poderosa que a mulher leva consigo. Quando as mulheres saem em busca desse coração e superam as tendências negativas, são elas mesmas as primeiras a se sentirem melhor e, quase de forma instantânea, a família parece voltar a resplandecer e a crescer em equilíbrio.

A mulher é, por natureza, protetora da vida e criadora de valores. Por isso protege e defende a paz e a harmonia, consciente do muito que está em jogo. Essa função harmonizadora é um fator primordial para edificar uma convivência frutífera e duradoura. É a chave do casamento e do lar.

A harmonia é felicidade em si mesma.

Se a felicidade é o sentimento a que todos aspiramos em nossa vida individual, então a harmonia é a forma que as pessoas têm de serem felizes quando estão juntas, sejam apenas duas ou uma grande multidão. É a capacidade de harmonizar os quatro estados baixos: Inferno, Fome, Animalidade e Ira. Quando nossa vida joga âncoras em qualquer uma dessas condições subjetivas, não só é impossível harmonizar, como também encontramos um certo gozo perverso no conflito e na desarmonia. Nossa consciência moral nos diz que deveríamos harmonizar, nosso coração nos adverte que estamos sofrendo, mas assim como em todo resto, nos estados baixos sentimos apego pela confrontação e pela discórdia.

Quando vivemos sem quebrar os limites que nos impõe nossa debilidade, atuamos e reproduzimos padrões de desarmonia., que não só se referem à conduta, como também às palavras que saem de nossa boca e aos pensamentos que povoam nossa mente.

Para criar harmonia não basta fazer uma declaração de vontade nem empreender um esforço intelectual. O desejo espontâneo e genuíno de harmonizar, de ser feliz com os outros, só é possível quando elevamos o estado de Vida. Neste desafio permanente, cada mulher faz emergir os recursos da Budicidade que leva consigo.

Na realidade, a harmonia entre os seres humanos não é um estado exterior nem é uma função das circunstâncias, senão o esforço que nasce em cada um de nós. Por isso, mais que a harmonia, o que conta é a capacidade de sua conquista que exige um trabalho permanente de autodisciplina e de estrita observação interior. A ausência de harmonia produz angústia e incerteza no coração da mulher. E sua causa fundamental é a ruptura entre o "eu" e o resto do mundo. Quando estes laços se quebram, o espírito cai até os estados mais baixos. As situações cotidianas se enchem de sofrimento e as relações se contaminam de inimizade. A harmonia, pelo contrário, produz uma alegria indescritível. O Sutra de Lótus elege uma imagem perfeita para descrever a harmonia, quando mencionamos a sincronia entre a dança e a música. Nenhum de nós existe só; todas as pessoas que nos rodeiam são parte de nós mesmos. Já que somos nós mesmos quem geramos e definimos nosso meio ambiente circundante, nosso coração "salta de júbilo", "nos colocamos de pé e nos lançamos a dançar", e assim "brincamos de felicidade".

 A verdadeira harmonia jaz dentro da mulher. Não é algo que devemos esperar dos outros nem que possa mandar que os outros a tenham. Por isso, o presidente Josei Toda dizia: "A chave da união harmoniosa jaz no espírito de levantar-se por decisão própria, sem depender de nada e nem de ninguém."


IKEDA, Daisaku,  * Extraído de "A arte de ser humano", 1998, 

Preciosa Colaboração de Selvis Stocel s3234@yahoo.com   Arraiján  - Panamá
Traduzido do espanhol para o português por Rita de Cássia Ribeiro. porricasri@hotmail.com 
e enviado ao Site por Cristina DeGregorio Grimaldi Muniz" cristinagrimaldi@uol.com.br 

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