Educação das crianças e fortalecimento dos vínculos familiares

Por Daisaku Ikeda

No passado, escrevi e contribuí com artigos para inúmeras revistas. A razão disso é que o Kossen-rufu é um movimento que toca os corações e as mentes das pessoas de toda a sociedade, ganhando a sua simpatia e a sua compreensão. Como Budista nunca devemos ser exclusivistas, presunçosos ou de mente fechada. É por isso que tentei nesses artigos, explicar a visão budista da vida e da sociedade numa linguagem de fácil entendimento.

Coloquei um ênfase especial na contribuição de artigos para revistas femininas, porque as mulheres desempenham um papel importante e indispensável no lar, desenvolvendo as crianças e apoiando os maridos. Outro dia, terminei os artigos que aparecerão na edição de Amo Novo de duas revistas femininas. Um deles é sobre educação de crianças e o outro é sobre os laços que ligam os membros de uma família. Ambos temas podem parecer muito comuns e talvez simplistas. Entretanto, o fato é que atualmente esses temas estão sendo acaloradamente debatidos como importante tópicos sociais. Muitas pessoas destacam a pobreza da educação atual e a destruição da família no nosso país.

Gostaria de abordar esses assuntos referindo-me ao conteúdo dos artigos sobre educação das crianças e fortalecimento dos vínculos familiares.

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Daisaku Ikeda é pacifista, escritor, filósofo, fotógrafo e poeta.  Também conhecido como "Embaixador da Paz", é presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), uma ONG, com base budista,   filiada às Nações Unidas, que atua nas áreas da cultura, educação, paz, meio-ambiente, desarmamento nuclear e apoio a refugiados de guerra.

 Educação das crianças

Num dos artigos, apresento um episódio da infância do poeta e mestre da literatura alemã, Goethe, que mostra como uma mãe aborda a educação do filho. Goethe viveu até a madura idade de 82 anos e no curso dessa longa vida, criou muitas obras-primas imortais. Qual era a fonte dessa rica energia criativa?

Uma pista pode ser a calorosa e prazerosa comunhão do coração que ele compartilhava com sua mãe na infância. Quando criança, Wolfgang Goethe costumava esquecer o tempo sempre que ouvia as estórias encantadoras e cheias   de imaginação que sua mãe Elizabeth contava uma após outra. Goethe se envolvia tanto nessas estórias que, que, se o destino de um dos personagens que ele gostava, não resultasse exatamente como imaginava, ele se aborrecia a ponto de chorar. Sua mãe, que sabia o que ele estava sentindo, interrompia a estória, dizendo: “Vamos deixar o resto para amanhã à noite” Goethe então imaginava a continuação da estória e contava isso à sua avó a quem era muito ligado. A continuação da estória no dia seguinte, freqüentemente combinava com a trama imaginada pelo jovem Goethe. Isso porque, sua mãe obtinha as informações secretamente da sua avó. Goethe era tomado de alegria à medida em que a estória contada por sua mãe, se desenvolvia exatamente como ele tinha imaginado, seu coraçãozinho palpitava de excitação.

As estória encantadoras que sua mãe lhe contava, ajudaram a estender as asas de sua jovem imaginação.

Anos mais tardem, Elizabeth recordou esse relacionamento de mãe e filho da seguinte maneira: “Desenvolveu-se entre nós uma secreta manobra diplomática na qual ambos procurávamos manter a estória secreta um do outro. De minha parte, apreciava inventar estórias que surpreendiam o meu ouvinte, e Wolfgang batia palmas de prazer, seus olhos brilhando, enquanto ouvia suas estórias de fantasia sendo contadas por sua mãe, sem jamais vir à luz que ele era o seu autor.”

Essa é verdadeiramente uma mãe sábia! Estou certo que foi nessa vivida comunhão entre mãe e filho que o poder de imaginação de Goethe se estendeu ao máximo e nutriu o broto tenro do seu talento.

Nada é mais importante do que o desenvolvimento de uma mente jovem. A imaginação elaborada na juventude se torna a base para as idéias e sentimentos da vida e determina amplitude e profundidade da mente do adulto. Entretanto, a educação da  criança não exige nenhuma teoria especial. O mais importante é criar um ambiente agradável e descontraído onde as crianças podem livremente tecer os seus sonhos e estender ao máximo as asas da imaginação. Uma mãe deveria ser capaz também de estimular a criatividade  das crianças da forma como fez a mãe de Goethe, através das suas “secretas manobras diplomáticas”.

 No alvoroço da sociedade contemporânea, não é fácil achar tempo para construir o tipo de relacionamento pai-filho que estimulará a riqueza da mente de uma criança. Entretanto, todos os senhores crêem no Gohonzon que incorpora a Lei fundamental do universo e recitam o Daimoku todos os dias, revitalizando e dando vigor às suas vidas. O poder do Daimoku é tal que reverbera como as notas de uma linda melodia, mesmo nas vidas daqueles que ainda não nasceram. A recitação do Daimoku é a fonte infalível da ilimitada energia vital. Quanto mais não será para aquelas jovens vidas que os senhores estão criando! O poder ilimitado do Daimoku é um lindo som que ativa e liberta todas as possibilidades criativas da criança. Nesse sentido, poderiam dizer que o som de uma voz materna recitando o Daimoku é o mais fino e maravilhado na vida da criança com sua possibilidades ocultas e ilimitadas.

Entretanto, não devemos nos tornar complacentes, simplesmente porque temos fé e recitamos Daimoku. As mães também devem usar a sua sabedoria para achar meios, através  das muitas e pequenas ações e atividades na vida diária, para estender as asas da mente das crianças. Espero também que achem tempo ocasionalmente para estimular os sonhos das crianças, como fez a mãe de Goethe. Não acho que seja possível desenvolver a sabedoria e a criatividade das crianças, se tudo o que ouvem são as mesmas velhas frases como, “Acorde, você chegará tarde à escola!”, “Desligue a TV e estude!” e “Vá dormir já!”  É importante estimular a criatividade ao invés de matá-la enquanto brota.

Há esplendidos dias ensolarados e aquele nublados, dias de chuva e de neve, há dias de outono, perfumados de crisântemos e dias de primavera de flores de cerejeira. Não passa um único dia sem que ocorra alguma mudança na natureza. Os senhores não devem tratar os seu filhos numa sucessão interminável de dias frios e nublados. As crianças também dispõem dessa mesma variedade como as vívidas mudanças das estações. Suas mentes são flexíveis , respondendo de maneira sensível, bem como absorvendo tudo com que entra em contato. O elemento individual mais importante no ambiente educacional de uma criança, é a mãe.

Tenho sinceras esperanças de que todas as senhoras colocarão em prática essa brilhante e sábia maneira de educar crianças.

 


Laços familiares

Outro tema sobre o qual escrevi é a respeito dos “laços familiares”. Gostaria de falar hoje sobre um dos seus aspectos, que é o relacionamento sutil e emocional entre marido e esposa.

Soseki Natsume (1867~1916) é um romancista japonês cujas obras foram um do pináculos da literatura moderna. Ele se casou com a filha de um alto funcionário do governo, porém a sua vida matrimonial não foi feliz.

Mitikussa (Gramas à Beira do Caminho), um romance escrito nos seus últimos anos, possui muitos elementos autobiográficos e descreve uma vida enegrecida por um casamento infeliz. O personagem principal e o alter-ego de Soseki no romance é Kenzo, um professor universitário com pouco mais de 30 anos. Sua esposa, a filha de um alto funcionário do governo, se chama Otsumi. Não há dúvida que o seu casamento foi saudado com total aprovação até dos amigos e parentes. Entretanto, eles não conseguem se comunicar e ficam presos para sempre a um penoso desentendimento.

Numa cena inesquecível, Kenzo, procurando melhorar a situação financeira aceita um trabalho de tempo parcial. Sua motivação de ajudar Osumi a equilibrar as despesas é elogiável e até nobre. Entretanto, quando ele estende a ela o dinheiro recebido, “sua expressão não mostrou nenhum sinal de satisfação”. Soseki continua a descrever a psicologia dos dois desta forma: “Eu poderia ter demonstrado alguma satisfação, ela pensou, ele tivesse dito algo gentil.” Kenzo, por sua vez, se ressente do seu silêncio, pensando: “Eu poderia ter dito algo gentil se ela tivesse pelo menos demonstrado algum sinal de satisfação.”

O talento de Soseki em descrever essa sutil psicologia justifica o seu lugar como um mestre da literatura. E é dessa forma que prossegue todo o relacionamento entre eles. Porque ambos colocam todas as suas expectativas e exigências no outro, e não têm a capacidade e consideração para refletir seriamente sobre o seu próprio comportamento, tudo concorre para ampliar e aprofundar o penhasco entre eles. Esse não é um problema limitado às relações de marido e esposa, mas aplica-se também às nossas relações com todos os membros da família, parentes e vizinhos – é um problema ao qual deveríamos prestar muita atenção. É também uma lição  importante que se aplica ao relacionamento entre os membros da organização.

Numa outra cena, Ousai sai com as crianças num domingo e retorna muito tarde. Quando chega, Kenzo já tinha jantado sozinho e se retirado para seus estudos. “Ela o procurou para dizer-lhe que tinham chegado. Ele achou insensível da parte dela não se desculpar por estar atrasada. Ele só a olhou de relance para reconhecer a sua presença e não disse nada”.  Os sentimentos de Kenzo não são totalmente destituídos de razão. Um simples pedido de desculpas por estar atrasada certamente teria acalmado o coração do marido. Mas, por causa do orgulho, ou por terem se tornado completamente frios no seu relacionamento, nem isso ela consegue fazer. Kenzo não consegue apagar o seu sentimento de raiva e se fecha num ressentimento silencioso.

Tenho certeza que muitos dos senhores conseguem entender os sentimentos de alguém que chega tarde em casa – especialmente os membros da Divisão dos Adultos que gostam de tomar algum aperitivo – pensando em como apagar o rastro após uma noitada, mas sempre sendo acompanhados pelos sábios membros da Divisão das Senhoras. Entretanto, se o senhor se armar de coragem e dizer alegremente: “Estou de volta! Desculpe por chegar tarde. Sentiu minha falta? “ Não creio que exista uma esposas que consiga ficar muito severa. Acho que em tais ocasiões, algumas palavras francas e sinceras podem ser muito importantes. Deve haver ocasiões em que um membro da Divisão das Senhoras volte para casa mais tarde que esperava. Espero que se lembrem então, a importância das palavras dirigidas aos maridos e membros da família ao chegar em casa.

O romance continua, após Kenzo cair em silêncio, com a seguinte passagem: “Desapontada e furiosa, ela saiu da sala. Ele tinha perdido a oportunidade de perguntar onde ela tinha estado”. O silêncio do marido torna o seu coração sombrio, esfriando ainda mais o relacionamento entre eles.

A questão aqui é que esse episódio totalmente infeliz, começou com a inabilidade de Osumi em dizer algumas palavras de desculpas. Isso pode parecer um incidente muito trivial e de certa forma é. Mas, na realidade, há muitos casos em que um pormenor traz grandes conseqüências. Os corações e as mentes das pessoas são realmente muito mais delicadas e sutis do que podemos imaginar. Os movimentos da mente são como as inúmeras e pequenas engrenagens de uma máquina finamente ajustadas, com sutis deslocamentos psicológicos se entrelaçando e se superpondo momento a momento. É por isso que nunca devemos subestimar a importância ou a sutileza das emoções humanas.

A certa altura, Kenzo se abre com sua esposa. “Não sou tão insensível quanto você pensa. Poderia ser tão caloroso e afetuoso como qualquer outra pessoa, mas você me faz recalcar todos os sentimentos naturais.” Sua esposa responde: “Isso não é verdade! Por que iria eu fazer uma coisa dessas?” Com isso, Kenzo entende que sua tentativa de se comunicar falhara completamente. Ela continua: “Eu gostaria que você tentasse ser um pouco compreensivo.” Mas Kenzo já não consegue mais prestar atenção a ela, e fica simplesmente magoado a ponto de sentir raiva pela frieza incomum de sua esposa. O romance continua com esta descrição do relacionamento entre ambos: “Cada uma achava o outro teimoso e estúpido, que não valia a pena conversar a sério, e cada um achando que cabia ao outro dar alguma satisfação.” Acho que esse romance retrata as atividades que poderiam ser melhor chamadas de cármicas – e com grande habilidade deixa a descoberto, através do fracasso dos personagens em se comunicar, uma parte do verdadeiro aspecto da vida. Sempre fico impressionado com a façanha literária de Soseki.

O Presidente Toda costumava dizer: “Se for ler livros, escolha os grandes”. Os grandes livros realmente enriquecem as nossas mentes e vidas. No relacionamento marido-esposa, que Soseki retratou a sua quase inerente inabilidade em se comunicar leva-os a uma caminho de alienação da qual não há retorno. Nas nossas vidas diárias também, acho que há muitos casos nos quais essa falha de comunicação conduz a muita alteração e infelicidade. Se mantém a compostura e se faz um esforço honesto para se entender a posição e circunstância da outra pessoa, uma grande quantidade de rusgas improdutivas e desnecessárias poderia ser evitada. No mundo da fé, também preocupa-me que o desentendimento mútuo poderia ser o motivo, em muitos casos, do cônjuge não praticar ou da família ou doa amigos odiarem a prática.

 Nunca deveríamos unilateralmente impor nossas idéias sobre os outros, porém deveríamos basear nossas palavras e ações num entendimento total da posição e idéias da outra pessoa. Como Soseki diz em Mitikussa. “Cada uma achava que cabia ao outro fazer reparos”. Essa passagem faz-nos perceber o carma ou tendência da vida que torna Kenzo e sua esposa incapazes de se verem como são na realidade. As pessoas que não conhecem o Budismo e, portanto, desconhecem o caminho para mudar o seu carma e atingir a revolução humana, acabam sendo atiradas nas ondas do carma. Isso me faz sentir  que somos realmente afortunados por acreditarmos na Verdadeira Lei que nos capacita a transforma o nosso carma e trilhar o caminho da revolução humana.

A propósito, existe um provérbio inglês: “Mantenha ambos os olhos abertos antes de casar; feche um após.” Sugere que antes de casar, deve-se examinar cuidadosamente as falhas da pessoa com quem vai casar-se. Após o casamento deve-se manter um olho fechado a essas falhas. Numa carta endereçada a Shijo Kingo, Nitiren Daishonin diz, “Mesmo que seus irmãos tenham uma certa culpa o senhor deve ignorá-la.” (Gosho Zenshu, pág. 1176). Quando alguém percebe que os seus erros são o alvo constante de perseguição e crítica, ela não sente vontade de mudar, mesmo que reconheça que o que foi apontado é verdadeiro. Talvez haja alguns casais aqui hoje que já tiveram essa experiência. Ter um grande coração que perdoa as pequenas falhas e os erros dos outros é uma das chaves, penso eu, do relacionamento bem sucedido entre marido e esposa, e entre as pessoas em geral. Ao invés de martelar as falhas de alguém, deveríamos reconhecer os seus esforços e oferecer calorosos incentivos. 
(Líder  vol. 13 - 05/87)

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