Qual
foi o início…?
Os
dez primeiros capítulos da Bíblia, Gênesis 1-10 formam a pedra angular
das três principais tradições religiosas do ocidente – judaísmo,
cristianismo e islamismo. Eles nos relatam a história da Criação. Deus
criou o universo e tudo o que nele existe, incluindo a terra, o céu, a
luz, as plantas e os animais, em seis dias, descansando no sétimo dia.
Ele criou o primeiro homem, Adão, soprando a alma ao pó para depois
dar-lhe como morada o Jardim do Éden. Deus criou a primeira mulher, Eva,
da costela de Adão, para proporcionar-lhe uma companheira. Enganada
por uma serpente, Eva desobedeceu as ordens dadas por Deus ao comer a maçã
da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ao mesmo tempo, ela convence
Adão para que faça o mesmo. O castigo infringido por Deus a condena ao
alumbramento com dor e à servidão ao marido. Deus expulsa ambos do
Jardim. Transcorreram
várias gerações e Deus não estava feliz com os resultados de sua criação,
particularmente porque a maldade imperava no mundo. Disse-lhe a Noé que
construísse uma grande embarcação, e colocasse nela casais de todos os
animais que habitavam a terra e a sua família. Depois provocou uma grande
inundação que exterminou todos os seres vivos da face da terra. Após
150 dias as águas se retiraram e a embarcação de Noé ficou depositada
no topo do Monte Ararat. Um novo começo se inicia para a humanidade a
partir dos descendentes de Noé. Estes são os pontos básicos da historia
da criação, tal como a relata o livro do Gênesis. Deus é o criador
original de tudo o que existe ex
nihilo (criado do nada). Em épocas anteriores esta história era
aceita como um fato inquestionável e como a palavra divina e irrefutável
de Deus. Hoje em dia há os que ainda professam esta crença. A
captura e deportação do povo judeu à Babilônia por parte de
Nabucodonozor no ano 587 AC, onde permaneceram por cinqüenta anos (duas
gerações), colocou o povo judeu em contato direto e de maneira freqüente
com as influências do oriente – hindus, persas e babilônicos. Durante
este período, no seu exílio o povo judeu entrou em contato com mitos e
lendas do oriente, particularmente da Índia e do Irã, convertendo-se os
mesmos em parte da tradição judaica. Dentro destes encontram-se os mitos
da criação e a idéia tomada dos ensinamentos
do zoroastrismo, particularmente a profecia de um redentor ou
salvador. A
história da criação não é original dos cristãos – ou dos judeus.
Os elementos chaves datam de fontes anteriores ao Antigo Testamento e provêem
de áreas geográficas, tais como a Índia, o Oriente Médio, e Grécia. A
criação do universo, o mundo e os primeiros seres humanos – partindo
do conceito de uno que depois se
converte em dois – são temas
comuns em algumas das tradições mais antigas. As origens do mito do dilúvio
são, também mais antigas. Referências aos mesmos se encontram nos
textos da escritura cuneiforme dos sumérios ao redor dos anos 2000 –
1750 AC. Todos os elementos essenciais a respeito da história sobre a
criação do mundo encontram-se em fontes pagãs de maior antiguidade. A
idéia da criação ex nihilo
nem sempre foi parte da doutrina cristã. A comunidade dos primeiros cristãos
não tinha uma posição monolítica a esse respeito. Não foi senão até
o dia 20 de maio do ano 325 no Conselho de Nicaea que esta doutrina
tornou-se oficial sob a supervisão do imperador romano Constantino. É
interessante notar que as famosas palavras de abertura do Evangelho de João
nos dão um ponto de partida ligeiramente diferente a respeito da criação:
“No início existia o Verbo, o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus”. “Verbo” é uma tradução do grego logos, e refere-se a um princípio integrador (lei) que cria a ordem
no cosmos. A semelhança com o conceito budista do Dharma – o que nós
denominamos Lei Mística – é surpreendente. Tanto
o oriente como o ocidente, compartilham histórias mitológicas sobre a
criação. Porém, por volta de 1500, quando os pensadores da Reforma
questionavam a veracidade destas histórias, os muçulmanos estudavam que
o paraíso e o inferno eram assuntos internos a cada indivíduo, os
cabalistas advertiam aos seus discípulos a não tomar a mitologia de
maneira literal; porém, a maioria dos cristãos ainda insistiam que o
narrado nestas histórias ajustava-se aos fatos reais, ou seja, eram
certos e verdadeiros em todos seus detalhes e aspectos. Desta
forma, inicia-se o longo conflito entre o cristianismo e a ciência, ou
com maior precisão, o conflito entre dois pontos de vista científicos,
separados por 6000 anos – um data de 4000 AC e o outro de 2000 DC. A
interpretação literal do mito da criação em qualquer religião ou
cultura tem a desafortunada conseqüência de obrigar às pessoas a
escolher entre o coração que anseia acreditar, e o cérebro, que vê que
o argumento não é consistente com a observação objetiva dos fenômenos. Os
mitos sobre a criação no oriente, ainda quanto um tanto similares na
superfície (a final de contas, são a fonte de onde emanam os mitos do
ocidente), porém, são essencial e fundamentalmente diferentes dos do
ocidente, num aspecto importante. Os primeiros, geralmente não apresentam
distinção entre Deus e o ser humano. O divino encontra “aqui
dentro”. No ocidente, porém, de acordo com a Bíblia, o Criador é
diferente, separado e “lá fora”, dando-se, assim, o caso de que
existe uma brecha intransponível entre ambos. O Budismo, porém, tem como
intenção ajudar aos fiéis a realizar a vivência de sua identidade
original na própria vida, aquela identidade que é una com a força
criativa, ou Lei Mística. Dentro do cristianismo, a igualdade com o
Criador não é possível. O cristianismo tem como propósito restaurar
a relação com este “outro” ser absoluto. Qual
é o ponto de vista budista a respeito de nossas origens? As antigas tradições
da Índia indicam que os budistas entendiam que o universo era ordenado
por ciclos recorrentes de mundos que se manifestavam e desapareciam. Cada
ciclo tinha seu término em dilúvio ou fogo. Estes ciclos de formações
e destruições de mundos duravam bilhões de anos e ocorriam em todo o
universo. Das cinzas ou lodo que resultavam da destruição, um novo ciclo
nascia. Este ciclo não tem início nem fim. Mundos e universos eram
criados e destruídos como parte de um ciclo interminável de nascimento e
morte que operava em escala cósmica. Para
os budistas, então, não existe uma criação no sentido da história bíblica.
O universo se formou quando as condições necessárias se deram, baseadas
na lei de causa e efeito inerente na própria natureza do universo. Da
mesma forma como surge, desaparece. Mas não há uma causa original, como
não há um final. O universo é infinito, sem limites de tempo e espaço.
“O universo em si mesmo é um ser vital que contém o potencial da vida
que desenvolve-se de diferentes formas; é, portanto, definido como a
entidade de vida mais grandiosa”. Os
cosmólogos, hoje em dia, postulam a teoria de um universo dinâmico, em
fluxo constante. Onde, num ponto, o universo parece ter nascido da causa
do “big bang” original e encontra-se em constante expansão, em tanto
que, em outro ponto parece encontrar-se num processo de contração e
extinção. Mas o universo em si não tem começo ou fim. Este ponto está
de acordo com a perspectiva budista.
A
Lei Mística é o nome que damos a esta lei de causalidade subjacente que
opera eternamente através do universo inteiro. Quando as condições são
propícias, surgem planetas. Quando as condições são adequadas, a vida
evolui. O oceano gera ondas. O universo gera vida. A vida evolui para o
despertar e a iluminação. O
potencial para a vida, para a vida iluminada, existe na própria essência
do universo – é uma lei mística natural. Dado que o ritmo universal apóia
a vida, podemos descrever a natureza do universo como benevolente. Há os
que dão, a esta capacidade inerente criadora para construir o mundo, ao
potencial de gerar o universo, o nome de Deus; nós o chamamos Lei Mística
de Nam-myoho-rengue-kyo. Living
Buddhism, edição de julho de 2004, págs. 4-7 Tradução:
Ariel Ricci ahricci@gmail.com |
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