A História da Lebre Sábia
SASAPAÄÐITA JÀTAKA (Jataka 316)*


"Meus sete peixes vermelhos ." Isto o Mestre relatou enquanto residia no (mosteiro) Jetavana em relação a um donativo de todos os requisitos.[1] Dizem que em Sàvatthì um certo dono de casa realizou um donativo de todos os requisitos à comunidade de monges presidida pelo Buda. Ele fez construir um pavilhão na porta de sua casa e convidou a comunidade de monges presidida pelo Buda. Os fez sentar dentro do pavilhão em assentos preparados e lhes ofereceu comidas deliciosas de diversos sabores. Tendo-os convidado por sete dias seguidos, no sétimo dia doou todos os requisitos para quinhentos monges presididos pelo Buda. O Mestre, ao acabar a comida, expressando sua gratidão disse: "Devoto, é apropriado que experimente contentamento e felicidade. Porque esta generosidade pertence ao linhagem dos sábios da antigüidade. Os sábios de antigamente, quando chegavam mendicantes, renunciavam à sua vida e doavam ainda sua própria carne", e a pedido do devoto relatou a história do passado.

No passado, quando Brahmadatta reinava em Baranasi, o Bodhisattva nasceu como uma lebre e vivia no bosque. Ao lado desse bosque estava o pé de uma montanha, no outro lado havia um rio e no outro lado havia um povoado de fronteira. Também alí viviam seus três amigos: um macaco, um chacal e uma lontra. Estes quatro sábios viviam juntos, obtinham comida nos seus respectivos lugares e pela tarde reuniam-se. A lebre sábia incentivava seus três companheiros com um sermão do Dhamma: "Tem que praticar a generosidade, observar preceitos e realizar os atos de Uposatha".[2] Eles, depois de aceitar sua exortação, retirava-se às suas próprias moradas e alí residiam. Assim passou o tempo. Um dia o Bodhisattva olhou para o céu, viu a lua, e compreendeu "Amanhã é o dia de Uposatha" e disse aos outros três: "Amanhã é Uposatha, vocês três devem observar os preceitos do dia de Uposatha". Havendo-se estabelecido nos preceitos, o donativo dado produz grande benefício. Portanto, se vier algum mendicante, deverão lhe dar de sua própria comida. Eles aceitaram dizendo "tudo bem" e se retiraram aos seus lugares de residência.

No dia seguinte, cedo, a lontra pensando "buscarei comida" saiu e foi à beira do rio. Então, um certo pescador tinha tirado sete peixes vermelhos. Depois de amarrá-los num junco, os trouxe, fez um buraco na areia na beira do rio, os enterrou e continuou pescando rio abaixo. A lontra percebeu o cheiro de peixe, cavou na areia, os viu e os tirou. Três vezes anunciou: "Quem é o dono?" Não vendo o dono, mordeu o extremo do junco com os peixes, os levou e os guardou na sua morada refletindo nos seus preceitos: "Os comerei no momento apropriado".

 O chacal também saiu do seu lugar de residência e procurando comida encontrou na cabana de um certo guarda de campo duas estacas com carne, uma iguana e uma jarra de coalhada. Três vezes anunciou: "Quem é o dono?" Não vendo o dono, colocou no seu pescoço a corda para levantar a jarra de coalhada, mordeu as duas estacas com carne e à iguana, levou tudo isto e o guardou na sua morada refletindo nos seus preceitos: "O comerei no momento apropriado".

 O macaco também saiu do seu lugar de residência, entrou no bosque, pegou um galho com mangas, o levou e guardou na sua morada refletindo nos seus preceitos: "Os comerei no momento apropriado".

 O Bodhisattva deitado na sua própria morada pensou: "Vou sair para comer grama no momento apropriado. Se alguém vier a pedir, não é possível dar grama. Não tenho nem gergelim nem arroz nem nada para dar. Se alguém vier a pedir-me, darei a carne do meu próprio corpo". Nesse momento, pelo poder da virtude do Bodhisattva o trono de pedra de Sakka[3] mostrou sinais de calor. Sakka, investigando, viu a razão e pensou "investigarei o rei lebre". Mas primeiro foi ao lugar de residência da lontra sob a aparência de um brahmán. A lontra sábia disse: "Brahmán, para que vens?" "Se puder obter algo de comida, observarei Uposatha". A lontra disse "tudo bem, te darei minha comida" e conversando com ele pronunciou o primeiro verso:

 Meus sete peixes vermelhos, tirados d'água a terra firme, isto, brahmán, é o que eu tenho. Depois de comê-los, vive no bosque.

 O brahmán disse "depois verei" e foi ver o chacal. Quando o chacal perguntou: "Para que vens?" O brahmán respondeu a mesma coisa. O chacal disse "tudo bem, te darei" e conversando com o brahmán pronunciou o segundo verso:

 O jantar de um certo guarda da floresta eu trouxe, duas estacas de carne, uma iguana e uma jarra de coalhada. Isto, brahmán, é o que eu tenho. Depois de comê-los, vive no bosque.

 O brahmán disse "depois verei" e foi ver o macaco. Quando o macaco perguntou: "Para que vens?" O brahmán respondeu a mesma coisa. O macaco disse "tudo bem, te darei" e conversando com o brahmán pronunciou o terceiro verso:

 Manga madura, água fresca e uma deliciosa sombra, isto, brahmán, é o que eu tenho. Depois de comê-los, vive no bosque.

 O brahmán disse "depois verei" e foi ver à lebre sábia. Quando a lebre perguntou: "Para que vens?" O brahmán respondeu a mesma coisa. Tendo-o escutado, o Bodhisattva encheu-se de contentamento e disse: "brahmán, fez bem em vir à minha presencia para pedir comida. Hoje, eu darei algo que nunca dei antes. Tú porque es virtuoso não matarás. Vai, brahmán, junta madeira, prepara um fogo e informa-me. Eu renunciarei a mim mesmo e me jogarei no meio do fogo. Quando meu corpo esteja asado, poderás comer minha carne e depois observar o Dhamma dos ascetas". E conversando com o brahmán pronunciou o quarto verso:

 A lebre não tem nem gergelim nem feijão nem sequer arroz. Depois de haver-me asado com este fogo, vive no bosque.

Depois de escutar ao Bodhisattva, Sakka preparou uma pilha de brasas usando seus poderes sobrenaturais e o informou. O Bodhisattva levantou-se do seu leito de folhas e foi até lá. "Se houver insetos na minha pele, que eles não morram", chacoalhou seu corpo três vezes e oferecendo todo seu corpo atirou-se e descendo na pilha de brasas alegrando-se como um cisne real num lago de lótus. Mas esse fogo não conseguiu queimar nem sequer as meras pontas dos cabelos da pele do Bodhisattva. Foi como entrar numa forma de gelo. Então, dirigiu-se a Sakka: "Brahmán, o fogo que tu preparaste é muito frio. Não posso nem sequer queimar as pontas dos cabelos da minha pele. O que é isto?". "Lebre sábia, eu não sou um brahmán, sou Sakka. Vim para te testar". O Bodhisattva pronunciou o rugido do leão: "Sakka, tú eres o primeiro. Mas se todos os habitantes do mundo fossem testar minha generosidade, não encontrariam nunca em mim falta de disposição para doar".

 Então, Sakka disse: "Lebre sábia, que tuas virtudes sejam conhecidas por um eón". E depois de moer a montanha, tomou a essência e desenhou a forma da lebre no disco da lua. Pegou o Bodhisattva e o deitou no leito de folhas ternas no mesmo lugar nesse monte, nesse bosque, e regressou ao céu. E esses quatro sábios, em harmonia e paz, observando os preceitos, praticando a generosidade e realizando os atos de Uposatha, partiram de acordo com as suas ações.

 O Mestre depois de relatar este discurso do Dhamma revelou as verdades e mostrou a ligação da história. No final das verdades, o dono de casa doador de todos os requisitos estabeleceu-se no prazer da entrada na corrente.

 Nessa ocasião a nutria era Ànanda, o chacal era Moggallàna, o macaco era Sàriputta e a lebre sábia era eu mesmo.


  NOTAS [1] 'Sabbaparikkhàradàna' refere-se a um donativo de todos os requisitos necessários para um monge. Há oito requisitos básicos: (i) tazón (patta), (ii, iii, iv) três hábitos (ticìvara), (v) faja (kàyabandhana), (vi) hoja de barbear (vàsi), (vii) agulha (sùci), (viii) filtro de água (parissàvana). [2] Refere-se à recitação das regras de disciplina nos dias de lua cheia e nova por parte da comunidade de monges e observar oito preceitos por parte dos leigos. [3] O rei das divindades.


 * Traduzido do pali por Bhikkhu Nandisena. Edição do Sexto Concilio Buddhista. Referencia: Jàtaka-Aååhakathà iii 48-52. Este material pode ser reproduzido para uso pessoal, pode ser distribuído só de maneira gratuita. Referências  bibliográficas

A tradução deste texto é uma preciosa colaboração de 
Ariel Ricci -aricci@estadao.com.br 
Com ilustração de Sandro Neto Ribeiro contato@maisbelashistoriasbudistas.com 
Referências  bibliográficas


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