Porisada - O Rei de Benares


Muito tempo atrás, mesmo até antes disso, viveu um rei na Índia que reinava da cidade de Benares, situada às margens do rio Ganges, no coração da Índia. O rei gostava muito de comer carne, e nunca passava uma refeição sem ela. Seu cozinheiro chefe tornou-se muito habilidoso no preparo de carnes condimentadas e sempre se assegurava de que ao rei fosse servido pelo menos dois ou três diferentes pratos de carne.

Na Índia daqueles tempos, as pessoas estavam acostumadas a respeitar o Uposatha nos dias santificados, ou seja, observavam cuidadosamente os cinco preceitos.

Algumas delas iam para o monastério e observavam oito preceitos. Isto significava que especialmente naqueles dias elas eram totalmente proibidas de matar qualquer animal e, então, usualmente comiam apenas comida vegetariana. Num desses tais dias de Uposatha, o cozinheiro chefe do rei estava em verdadeiro pânico. Não havia sido capaz de encontrar qualquer carne em lugar algum em toda a grande cidade de Benares e a hora da refeição do rei estava quase se aproximando. Não havia qualquer carne deixada do dia anterior e ele sabia como furioso o rei ficaria se não houvesse carne na mesa de jantar. Provavelmente o rei mandaria executá-lo, ou, no mínimo, poderia baní-lo da cidade. Ele seria muito sortudo se escapasse dessa com vida.

Por fim, o cozinheiro pensou numa solução. Havia um lugar onde ele poderia encontrar alguma carne - no cemitério da cidade! Ugh!  Bem, naqueles dias na Índia, quando as pessoas morriam, seus corpos não eram cremados justamente porque havia muita gente em Benares e não tinha lenha bastante para cremar todos os corpos. De modo que eles envolviam os corpos em tecidos brancos e os deixavam no cemitério à beira do matagal. Animais selvagens viriam à noite e comeriam os restos.

O cozinheiro foi imediatamente para aquele lugar e, encontrando alguns corpos, fresquinhos, ele cortou uma perna. Escondendo-a cuidadosamente, ele retornou às cozinhas do palácio. Ele era tão habilidoso na sua arte de cozinhar que pensou, "O rei jamais saberá. Darei a isto o sabor igual ao de cervo assado." O cozinheiro preparou a carne, cuidadosamente dissimulando sua aparência e temperando-a com os mais fortes temperos.  

Afortunadamente, naquele dia o rei estava fora  passeando a cavalo e voltou bem tarde, dando ao cozinheiro mais tempo para trabalhar. Quando chegou, o rei estava faminto e ordenou de imediato que sua refeição fosse servida. A comida estava pronta  fumegando de quente, com molhos e tudo o mais,  esperando para ser servida. O cozinheiro serviu a refeição de uma vez e ficou espreitando o rei com muito cuidado, certificando-se de que ele estava sendo servido plenamente de carne e molho - como ele sabia que o rei gostava. Não estava de todo certo se o rei poderia notar algo errado, e ficou aterrorizado só em pensar na reação que o rei poderia ter se soubesse o que estava comendo.  

Finalmente a refeição terminou, e o guloso rei expressou sua satisfação com um arroto real."Que excelente comida você preparou, mestre, esta foi a melhor refeição que eu já tive. Que tipo de carne você usou? Deveremos ter o mesmo prato amanhã."

Bem, é claro que o cozinheiro não se atreveu a responder à pergunta do rei e arranjando alguma desculpa disse, "É tão trabalhoso encontrar os ingredientes que devo começar logo!" Assim dizendo, estalou os dedos para que os serventes se apressassem e limpassem a mesa pois ele tinha muitas coisas a preparar para a refeição de amanhã.

No dia seguinte, o cozinheiro foi novamente ao cemitério e desta vez trouxe o bastante para dois dias, e preparou a comida da mesma forma como no dia anterior. O rei mais uma vez ficou encantado com a comida, mas fortunadamente estava muito ocupado para perguntas ao cozinheiro e este,  por sua vez  não estava  ficando ao redor para ser questionado. Reis estão sempre ocupados. Eles têm tantas coisas a fazer dirigindo o exército e o palácio que mal têm tempo para comer ou relaxar como as pessoas comuns.

De modo que a vida no palácio ia indo como de costume, exceto que o cozinheiro tinha de ir todos os dias ao cemitério em segredo para encontrar um cadáver para a refeição do rei. Um dia, entretanto, infortunadamente para o cozinheiro, não havia mais cadáveres, de maneira que ele teve de usar carne comum. Você pode imaginar a raiva do rei. Ele intimou e exigiu saber do cozinheiro por que faltava seu prato favorito. O cozinheiro foi forçado a admitir ao rei qual o tipo de carne que ele usava. Porém, para  alívio do cozinheiro mais que tudo, o rei não ficou zangado e apenas disse, "Bem, isto não é problema, há bastante prisioneiros condenados na cadeia, você pode usá-los para carne.

Tudo estava indo bem novamente, por enquanto, mas por fim não havia mais prisioneiros na cadeia, de modo que o cozinheiro tinha sua vida novamente em perigo. Contudo, o rei disse, "Não se preocupe, existem montes de bêbados e ladrões nas ruas de Benares à noite; simplesmente mate um deles toda noite para minha refeição do dia seguinte. Até porque a cidade ficará melhor sem eles."

Então, o cozinheiro fez como o rei disse. Todas as noites ele colocava-se à espera em algum canto isolado, aguardando por algum sujeito embriagado vagueando por lá. Grande quantidade de beberrões ou criminosos estava sempre nas ruas nas madrugadas, de maneira que não havia mais escassez de carne para a mesa do rei.

A medida em que os meses passavam, mais mulheres reclamavam aos homens do rei. Algumas diziam, "Meu marido saiu ontem à noite e hoje ainda não voltou, e ele sempre volta para o seu café da manhã." Outras reclamavam que seus filhos ou pais se foram há semanas e desde então ninguém mais os viram.

O general do rei suspeitou de que um bando de ladrões estava à solta, e falou para seu homens patrulharem as ruas à noite para apanhá-los. Após algum tempo, como quase sempre acontece quando pessoas cometem crimes, os homens do general pegaram o cozinheiro em flagrante matando um transeunte e o trouxeram perante o rei para ser sentenciado por assassinato. Porém, o rei disse, : Deixem-no ir, ele estava obedecendo as minhas ordens."

O general era um homem muito inteligente e sabia que se fosse permitido um rei tão mal como aquele  permanecer no poder, o país poderia muito breve tornar-se repleto de assassinos e outros malfeitores. Então ele decidiu que o rei deveria parar com aquilo. Porém, o rei não conseguia abandonar seu mau hábito de comer carne humana, de maneira que o general o baniu do reino, mandando-o embora para a mais distante selva, tendo justamente seu cozinheiro como companheiro.


PORISADA, O Comedor de Homem

É mesmo até espantoso que o rei estivesse tão viciado em comer carne humana que relutou em desistir de seu mau hábito, embora que isso lhe custasse perder o conforto e a luxúria da vida que tinha no seu próprio palácio. Embora que seja assim quando as pessoas se tornam realmente viciadas em qualquer coisa - não importa o quanto você racionalmente  tente convencê-las, irão fazer qualquer coisa para satisfazer seus vícios.

Foi assim então com o rei, que estava agora em exílio. Ele vivia numa distante selva tendo apenas o cozinheiro como companhia e esperava na margem da estrada por qualquer desafortunado mercador ou viajante que acontecesse passar por ali. Após algum tempo as pessoas da cidade começaram a ouvir falar de um estranho homem que comia pessoas, embora alguns não acreditassem nas histórias. Portanto, o antigo rei de Benares tornou-se conhecido como Porisada - o comedor de homem. Bem, ele não dava a mínima para isto na verdade, pois ficaria igualmente feliz comendo mulheres e crianças!  

Com o tempo, Porisada tornou-se tão famoso que poucas pessoas iam a qualquer lugar próximo aonde ele vivia. Exceto e tão somente estranhos descuidados. Portanto estava muito difícil para Porisada e seu cozinheiro caçar e encontrarem alguém. Um dia eles retornaram de mãos vazias, mas Porisada disse, "Não se preocupe, prepare os molhos e acenda o fogo como de costume pois eu irei conseguir alguma carne hoje de qualquer forma." A essa altura o cozinheiro estava deveras alarmado pela sua própria segurança, porém têve de fazer como Porisada disse, uma vez que Porisada era um tremendo atleta, e vivendo na selva deixou-o mais ainda forte e em forma. Não havia jeito de que o cozinheiro pudesse escapar.


Porisada encontra uma divindade - uma Árvore.

Pode imaginar exatamente o que aconteceu. Porisada agora estava sozinho e tinha de caçar longe e extensamente para encontrar suas infelizes vítimas. Um dia ele se deparou com um mercador com apenas poucos homens para proteção. O feroz Porisada não tinha medo de ninguém - nem mesmo de cem homens, quanto mais de meia dúzia - e, além disso estava muito faminto, como de costume. Ele deve ter sido uma figura terrível ao pular do matagal, vestido agora apenas com peles de animais. Os homens dispersaram em pânico e então Porisada agarrou o gordo mercador e carregou-o sobre seus ombros, desaparecendo rapidamente na selva. Os homens reuniram-se entre si dizendo, "Convenhamos, este mercador nos paga bem, mostremos que somos homens de verdade."

Então eles perseguiram Porisada dentro da selva, e um dos companheiros, meio forte, quase conseguiu pegar Porisada, que embora tendo nas costas o gordo mercador, ainda assim pôde correr feito um leão. Pulando sobre um pequeno penhasco para escapar de seu perseguidor, Porisada feriu severamente seu pé numa rocha afiada, mas conseguiu esconder-se e evadir-se de ser capturado. Cansados e agora temerosos porque a noite estava chegando, os homens desistiram de sua busca e retornaram à estrada para encontrar o caminho de saída da selva.

Porisada estava gravemente ferido e não poderia mais caçar. Tendo comido o mercador, ele pôde apenas descansar sob uma árvore e rezar para sarar suas feridas. Deitado ali na selva por muitos dias ele começou a temer pela sua vida e rezava e rezava por alguma ajuda. Felizmente para ele, aquela árvore era habitada por uma divindade que teve pena dele. A divindade árvore manifestou-se ante Porisada e prometeu curar suas feridas em troca de um grande sacrifício.

Naquele tempo era costume fazer-se oferecimentos às divindades árvores quando alguém desejava alguma coisa. Você deve saber da história de Sujata que ofereceu arroz com leite ao Bodisattva antes dele tornar-se o Buda. Ela havia rezado por um filho após fazer oferecimentos a uma determinada árvore. Vendo o Bodisattva sentado ali em serena meditação ela pensou, "Este deve ser a divindade árvore, um ser humano não seria tão parecido com um deus."

Bem, Porisada também acreditava que tais divindades árvores poderiam realizar seus desejos e, vendo aquela alí bem em frente de seus olhos, ele estava pronto para fazer qualquer coisa que a divindade pedisse. "O que eu quero? Cure minhas feridas, e eu farei qualquer coisa que  pedir."

A divindade árvore respondeu, "Você deve trazer-me cento e um reis como sacrifício. Se você prometer fazer isto, eu curarei suas feridas."

Talvez devido ao fato de estar vivendo sem carne por um certo tempo, e com a miraculosa ajuda da divindade árvore, as feridas sararam perfeitamente. Em pouquíssimo tempo Porisada havia recuperado seu antigo vigor e podia correr novamente como um leão, exatamente como antes. Para cumprir sua promessa, coisa que todos bons reis são ensinados a fazer, Porisada capturava os reis e os trazia para a árvore, amarrando-os fortemente para que não pudessem escapar de forma alguma, enquanto corria novamente para buscar mais. Finalmente, ele havia capturado cem reis. Como estava muito cansado, decidiu esperar até o dia seguinte antes de capturar o último rei. Aquela noite, a divindade árvore apareceu ante ele mais uma vez e lhe disse, "Você tem feito um bom trabalho, mas o último rei deve ser o Rei Sutasoma, que é muito virtuoso e famoso."

Porisada descansou bem aquela noite, feliz de que poderia brevemente estar apto a completar sua tarefa e cumprir sua promessa. À primeira luz da manhã do dia seguinte, ele se mandou para o palácio do Rei Sutasoma. Chegando lá cedo pela manhã, Porisada escondeu-se sob uma folha de lótus na banheira do rei e aguardou a sua chegada para o  banho matinal. Era um dia de Uposatha, de maneira que o rei veio se banhar em preparação da observação dos oito preceitos e ouvir o Dharma ensinado pelo seu sábio e instruído sacerdote chefe.

Enquanto o rei se banhava, seus atendentes discretamente esperavam a alguma distância dali. Porisada saltou de seu esconderijo e agarrarou o rei, jogou-o sobre seus ombros, correndo adentro da selva mais próxima. Os homens do rei o perseguiram, mas eram por demais lentos, e Porisada já havia desaparecido dentro do intenso matagal.  Eu não sei se você algum dia esteve numa selva verdadeira, mas todas elas se parecem. É muito fácil de se perder completamente, a não ser que, como Porisada, você viva sempre nela e acostume-se com os sinais pelos quais possa encontrar seu caminho.

Portanto Porisada foi hábil o bastante para cair fora,  carregando o Rei Sutasoma nos seus ombros, que estava ainda molhado por causa do seu banho. Algumas gotas d'água caíram de seus cabelos nos ombros de Porisada que pensou, "Este rei deve estar chorando, pois todos homens, até mesmo os reis,  sentem medo quando se deparam com a morte." Então, Porisada perguntou, "Por que está chorando. Você está com medo?"

"Não, nem estou com medo nem chorando, "Sutasoma respondeu, "porém algumas gotas d'água caíram dos meus cabelos nos seus ombros."

Porisada ficou muito surpreso com isto pois todos aqueles que ele havia capturado tinham sido muito mais medrosos, e suplicavam-lhe que poupasse suas vidas. Novamente ele perguntou, "Há algo deixado atrás que você irá sentir falta? Existe alguma coisa que você sinta saudades?"

Sutasoma respondeu, "Não há nada que sentirei falta porque eu vivo sem apegos, mas há algo que eu lamento. Esta manhã eu ia fazer uma visita de cortesia ao meu sacerdote e observar os preceitos de Uposatha. Eu havia prometido ir vê-lo hoje, mas agora não devo poder fazer isto, portanto eu lamento ter de quebrar a promessa que lhe fiz. Não poderei ouvir o Dharma de meu venerado mestre, isso é tudo. Se você for gentil o bastante para deixar que eu volte para cumprir minha promessa, após ouvir seu ensinamento, retornarei para você aqui."

Porisada ficou surpreso pela resposta do rei, porém lhe disse, "Se eu o deixar ir você jamais retornará. Ninguém iria retornar para encontrar a morte certa quando conseguira escapar dela. Se você voltar, será com um exército para prender-me."

Sutasoma respondeu, "Em qualquer caso, morte é certa. Eu juro que voltarei aqui sozinho, ou morrerei pela minha própria espada."

A esta última observação Porisada finalmente acreditou em Sutasoma. Ele era, afinal de contas, um rei desde berço e nenhum rei jamais fez um voto tão extraordinário como morrer pela sua própria espada. Também, ele conhecia Sutasoma por muitos anos, e nunca durante todo este tempo ele havia dito qualquer mentira nem quebrado qualquer promessa para ninguém.  Ele era famoso através da Índia pela sua piedade religiosa e honestidade. Então, Porisada parou e desceu o Rei Sutasoma, dizendo-lhe, "Muito bem, então, você deve ir e cumprir seu respeito para com seu mestre, porém, depois disto você deve voltar imediatamente para mim aqui, e venha sozinho."

Sutosama fez sua solene promessa, agradeceu a Porisada, e retornou feliz ao palácio, contente de que agora ele poderia cumprir sua promessa ao sacerdote.

No seu retorno, ele relatou tudo o que acontecera e, como havia planejado, foi para observar o Uposatha e ouvir o Dharma. O sacerdote recitou quatro versos, e Sutasoma ofereceu mil peças de ouro por cada verso, para mostrar sua gratidão. Sutasoma explicou a sua família e companheiros que todos seres amados podem separar-se um dia. O momento dele havia chegado agora para deixá-los. Ele havia feito uma promessa solene e não havia outra escolha a não ser a de ir. Eles imploraram que levasse alguns soldados com ele, porém Sutasoma recusou, dizendo que ele havia prometido retornar sozinho, então sozinho ele iria

A despeito de seus apelos, ele os deixou com lágrimas em seus olhos e saiu para a selva onde Porisada estava aguardando seu retorno.


Sutasoma ensina o Dharma a Porisada

Voltando-se à selva. - Porisada viu Sutasoma chegando calmamente e ficou muito surpreso com sua aparição. Ele estava voltando voluntariamente para enfrentar a morte e ainda assim nem parecia estar com medo. Porisada pensou, "Gostaria de saber que Dharma é este que ele ouviu de seu mestre para torná-lo tão destemido. Desejaria ser tão destemido assim." Então ele lhe perguntou cortesmente, "Sutasoma, o que seu mestre lhe ensinou? Eu gostaria de conhecer o ensinamento que voce estava tão ansioso para ouvir."

Compreendendo que Porisada estava pronto a ser ensinado uma lição, Sutasoma replicou, "Qual a vantagem de dar um ensinamento tão nobre para um rufião coração duro como você, que não faria uso dele?"

Esta resposta fez Porisada mais curioso do que tudo para saber o que o sacerdote havia ensinado a Sutasoma. Então ele implorou, "Por favor, me diga. Se você o fizer eu lhe darei qualquer coisa."

Sutasoma então lhe repreendeu, "Que uso se pode ter de um presente de um sujeito vil como você? Você poderia prometer qualquer coisa mas nada daria."

Porisada ficou profundamente envergonhado por ter sido repreendido assim. Ele prestou um juramento de morrer pela sua própria espada se não cumprisse sua promessa. Disse que daria qualquer coisa que Sutasoma pedisse, até mesmo se isto lhe custasse sua própria vida.

Sutasoma viu que agora Porisada estava humilde e preparado para entender o Dharma, então disse, "Bem, então tome um assento e escute respeitosamente. Vou falar-lhe do Dharma que meu mestre me ensinou."

Isto é o que meu mestre ensinou:  

"Juntar-se ao sábio, mesmo que apenas numa única ocasião, é uma grande vantagem; juntar-se a um tolo, até mesmo em muitas ocasiões, não traz benefício."

"Devemos nos juntar ao sábio e ouvir seu ensinamento; quem assim o fizer tornar-se-á uma mente nobre; nenhum dano provém de se aprender de um sábio."

"As esplêndidas carruagens reais, uma vez tão lindas, tornam-se velhas e se deterioram, mas o ensinamento de um sábio não tem idade nem muda jamais; isto é sobre o que os sábios falam entre si."

"O firmamento está muito longe da terra, e a terra muito distante dos céus, porém mais distante do que isto ainda estão o ensinamento de um sábio e o ensinamento de um tolo."

Porisada louvou o Dharma ensinado por Sutasoma e pediu-lhe para enumerar quatro presentes, um para cada verso.

Sutasoma respondeu, "Desejo ver você vivo e bem por cem anos como meu querido amigo."

Esta resposta foi habilmente sentenciada por Sutasoma para colocar Porisada à vontade. Ele sabia que se ele simplesmente pedisse a Porisada para poupar sua vida, Porisada talvez ainda ficasse com medo do que ele poderia fazer se concordasse com seu pedido. Entretanto, por ter respondido desta forma, Porisada entendeu que ele não lhe guardava nenhum rancor e que nenhuma ofensa poderia vir para ele se ele poupasse a vida de Sutasoma.

Segundo, continuou Sutasoma, "Liberte os cem reis e não lhes ofenda." Porisada prontamente concordou com isto uma vez que ele não tinha mais nenhum receio deles, agora que Sutasoma seria seu poderoso e aliado amigo.

Terceiro, "Deixe-os voltar sãos e salvos para seus próprios reinos."

Prontamente, Porisada desamarrou os reis e deixou-os ir para onde quisessem.

Finalmente, continuou Sutasoma, "Pare de comer carne humana e volte para seu reino.

A este pedido, Porisada hesitou bastante. Ele havia prometido dar qualquer coisa que Sutasoma pedisse, mas não havia imaginado que ele pudesse pedir isto. Ele adorava tanto carne, principalmente carne humana, que abriu mão de seu palácio e matou tanta gente sem piedade. Como poderia ele possivelmente viver sem comer carne humana? Porém, mesmo assim,  ele havia feito sua solene promessa, e então ele teve de concordar com o pedido de Sutasoma.

Assim sendo, Porisada prometeu parar com aquilo e ser um fiel amigo de Sutasoma até que a morte os separasse. Retornou para o seu reino, onde o sábio general que governava em seu lugar concordou em renomeá-lo se ele pudesse viver baseado nos cinco preceitos e permanecer em boa amizade com Sutasoma.

O Rei Sutasoma retornou ao seu reino, para satisfação de sua família e súditos.

A divindade árvore exultou de que seu plano funcionou tão bem e que tudo se resolveu para o bem do povo.


O pós-escrito para a história de Porisada aconteceu de ser escrito no tempo de Buda.

Eu disse no início que Porisada era o rei de Benares num tempo muito atrás, ou mesmo até mais ainda antes disso. Bem, não é fácil medir exatamente quão distante esse tempo foi - como podemos contar os grãos de areia de uma praia ou as ondas do oceano? Porisada, Sutasoma, o venerável sacerdote, a divindade árvore e o sábio general viveram e passaram suas vidas de acordo com suas boas e más ações. Após muitas existências eles renasceram na Índia cerca de 2.600 anos atrás, no tempo do Buda Sakyamuni.

Porisada renasceu como um jovem que foi estudar em Taxila, uma famosa universidade. Ele era um estudante tão brilhante que os demais estudantes tinham ciúmes dos elogios que o professor lhe fazia. Mentindo, disseram que Porisada e a esposa do professor estavam enamorados, e por isso o professor chegou a odiá-lo. Quando chegou o momento para o pagamento dos honorários do professor, como era costume ao término de um curso do estudo, o professor exigiu do jovem mil dedos humanos como pagamento. O jovem matou cem pessoas, coletando e contando seus dedos e assim ele tornou-se conhecido como Angulimala (grinalda de dedos).

O sábio general tornou-se o Venerável Sariputra, o discípulo chefe de Buda. O sacerdote tornou-se Venerável Ananda, o atendente pessoal de Buda, e a divindade árvore veio a ser Maha Kassapa, outro líder discípulo de Buda.

O virtuoso e sábio rei, Sutasoma, tornou-se depois o próprio Buda, e foi ele quem relatou esta história de vidas passadas em benefício das pessoas, quando elas maravilhavam-se ao ouvir da conversão do feroz ladrão Angulimala.

Portanto, em sua vida anterior, o Bodisattva - o futuro Buda - sempre falou a verdade e manteve suas promessas fielmente. Desde o tempo de seu encontro com o Buda Dipankara, noventa e um aéons[1] atrás (tempo mais longo ainda do que o começo desta história), o Bodisattva jamais disse mentiras. Quando ele nasceu como Rei Sutasoma  nunca sequer uma vez quebrou uma simples promessa.

Para pessoas muito boas como ele, quebrar uma promessa solene é como dizer uma mentira. Antes de prometer fazer algo, o Bodisattva devia pensar cuidadosamente se  podia ou não fazer o que disse, porém, uma vez dito, ele sempre mantinha sua promessa.

Naturalmente, se há uma muito boa razão pela qual não podemos fazer o que prometemos, neste caso não é errado. Podemos apresentar desculpas e explicar o porquê de não podermos fazer o que prometemos, e as boas pessoas irão nos perdoar.   


[1] - aéon: - Período de tempo muito longo, ou indefinido. Cronologicamente é um período de tempo     correspondente a 1 bilhão de anos. Dic.Aurélio - Sec.XXI

A tradução deste texto é uma preciosa colaboração de 
Teresinha Medeiros dos Santos - Felppondd@aol.com 
Com ilustração de Sandro Neto Ribeiro contato@maisbelashistoriasbudistas.com 
Referências  bibliográficas


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