Prateado, o cão rei


 Uma vez, o Rei de Benares foi para seu jardim de recreio em sua fantástica carruagem decorada. Ele adorava esta carruagem, mais precisamente por causa das ricas correias e cintos de couro feitos à mão.

Nesta ocasião, ele ficou em seu agradável jardim durante o dia inteiro entrando pela tardinha. Era muito tarde quando finalmente ele chegou de volta ao palácio. Por isso a carruagem foi deixada num terreno do lado de fora em vez de ser propriamente trancada.

Choveu fortemente durante a noite, e o couro ficou molhado, inchou, tornou-se mole, e começou a cheirar. Os mimados cães do palácio farejaram o delicioso aroma do couro e desceram até o terreno.  Mastigaram e devoraram as correias amolecidas e molhadas. Antes do raiar do dia, sem terem sido vistos,  eles retornaram aos seus lugares no palácio.

Quando rei acordou e desceu, viu que o couro havia sido corroído e comido por cães. Ele chamou os serventes e exigiu que explicassem como isto aconteceu.  

Uma vez que eram encarregados de tomarem conta dos cães do palácio, os serventes ficaram com medo de acusá-los. Em vez disto inventaram uma história de que cães estranhos, os estúpidos vira-latas da cidade,  entraram dentro do terreno através de esgotos e escorredouros e que tinham sido eles quem comeram o extravagante couro.

O rei enfureceu-se. Ficou tão sobrepujado pela raiva que decidiu vingar-se de todos os cães. Então decretou que em qualquer ocasião que alguém visse um cão ou cadela na cidade deveria matá-lo, ou matá-la,  de vez!

O povo então começou a matar cães. Os cães não podiam entender porquê estavam sendo mortos. Naquele dia, mais tarde, eles souberam do decreto do rei. Começaram a ficar muito amedrontados e se retiraram para o cemitério justamente fora da cidade. Ali era onde vivia o líder deles, Prateado, o Cão Rei.

Prateado era rei não porque fosse o maior ou mais forte ou mais valente. Era de tamanho médio, com macio pêlo prateado, brilhantes olhos pretos e vigilantes ouvidos aguçados. Caminhava com grande dignidade, a qual deu origem ao respeito e à admiração dos homens assim como dos cães. Ele aprendera muito em sua longa vida, e era capaz de concentrar sua mente nas coisas mais importantes. Assim ele se tornou o mais inteligente de todos os cães, e também aquele que mais cuidava dos outros. Estas eram as razões dele ter-se tornado rei dos cães.

No cemitério, os cães estavam em pânico e mortos de medo. Prateado, o Cão Rei perguntou-lhes o porquê disto. Eles contaram tudo sobre as correias da carruagem e sobre o decreto do rei, e de que as pessoas os estavam matando em qualquer ocasião que os vissem.

 Prateado, o Cão Rei sabia que não havia jeito de entrar nos bem-guardados terrenos do palácio. De modo que ele entendeu que o couro devia ter sido comido pelos cães que viviam dentro do palácio.

Ele pensou, "Nós, cães, sabemos que não importando quanto diferentes possamos parecer, estamos de alguma forma relacionados. Então agora devo fazer um grande esforço para salvar a vida de todos estes pobres cães, meus parentes. Somente eu posso salvá-los."

Ele os confortou dizendo, "Não fiquem com medo. Eu vou salvá-los. Fiquem aqui no cemitério e não vão dentro da cidade. Irei dizer ao Rei de Benares quem são os ladrões e quem são os inocentes. A verdade nos salvará a todos."

Antes de se preparar para sair, ele foi a uma outra distinta parte do cemitério para ficar sozinho. Tendo praticado benevolência por toda sua vida, e treinado sua mente, ele agora concentrava-se firmemente e preenchia sua mente com sentimentos de bondade amorosa, pensando, "Que todos os cães fiquem bem e felizes, e que todos estejam seguros. Vou ao palácio pelo bem dos cães e também dos homens. Ninguém poderá me atacar ou machucar-me."

Então, Prateado, o Cão Rei começou a caminhar lentamente através das ruas de Benares. Ele não tinha medo porque tinha sua mente focalizada. Seu caminhar calmo que demandava dignidade e respeito era uma consequência da bondade que ele sempre praticou na vida. E, por causa do caloroso fulgor da bondade amorosa que todas as pessoas percebiam, ninguém ficava zangado nem intencionava machucá-lo. Ao contrário,  se maravilharam ao ver aquele Grande Ser passar, e se perguntavam a si próprios como isto podia ser.

Foi como se toda a cidade estivesse aberta. Sem qualquer obstrução, Prateado, o Cão Rei passou direto pelos guardas do palácio entrando no vestíbulo da justiça real, e sentou-se calmamente embaixo do próprio trono do rei. O Rei de Benares ficou impressionado por tamanha coragem e dignidade. Então, quando os serventes apareceram para removerem o cão, o rei ordenou que o deixassem ficar.

Prateado, o Cão Rei então saiu de baixo do trono e fitou o poderoso Rei de Benares. Reverenciou-o respeitosamente e perguntou, "Foi Sua Majestade quem ordenou que todos os cães da cidade deveriam ser mortos?" "Sim, fui eu," respondeu o rei. " Qual foi o crime que os cães praticaram?" perguntou o cão rei. " Os cães comeram as correias de couro da minha linda e rica carruagem." " Sabe quais foram os cães que fizeram isto?" perguntou Prateado, o Cão Rei. "Ninguém sabe," disse o Rei de Benares.

"Meu Senhor," disse o cão, para um rei como o senhor, que deseja ser justo, acha que está direito ter todos os cães mortos em vez de apenas os culpados? Isto faz justiça aos inocentes?" O rei respondeu,  como se isto fizesse perfeito senso para ele, " Uma vez que não sei qual os cães que destruiram meu couro, simplesmente ordenando a morte de todos cães posso estar seguro de haver punido os culpados. O rei deve ter justiça!"

Prateado, o Cão Rei fez uma pausa por um momento antes de desafiar o rei com a pergunta crucial - "Meu senhor rei, é verdade que o senhor ordenou que todos os cães fossem mortos, ou há alguns que não devam ser mortos?" O rei subitamente sentiu-se um pouco incomodado como se forçado a admitir, ante toda sua corte, "É verdade que a maioria dos cães devem ser mortos, mas não todos. Os de pura raça do meu palácio devem ser poupados."

Então o rei cão disse, "Meu senhor, antes o senhor disse que todos os cães deveriam ser mortos para assegurar-se de que os culpados fossem punidos. Agora o senhor diz que os cães do seu palácio devem ser poupados. Isto mostra que o senhor estava errado na sua maneira de ser parcial. Para um rei que deseje ser justo, está errado favorecer alguns acima de outros. A justiça do rei deve ser imparcial, como uma balança honesta. Embora o senhor tenha decretado uma morte imparcial para todos os cães, em fato isto simplesmente é o massacre dos cães pobres. Seus ricos cães do palácio estão injustamente salvos, enquanto os pobres são erroneamente mortos!.

Reconhecendo a verdade das palavras do rei dos cães, o Rei de Benares perguntou, "Voce é sábio o bastante para saber quais cães comeram as minhas correias e cintos de couro?"  Sim meu senhor, eu sei, "disse ele, " só pode ter sido os seus próprios cães do palácio, e eu posso provar isto." "Prove  então," disse o rei.

O cão rei pediu que os animais de estimação do palácio fossem trazidos ao vestíbulo da justiça. Ele pediu também uma mistura de manteiga de leite e grama, e que fosse feito com que os cães comessem a mistura. Oh! eis que, quando isto foi feito eles vomitaram pedaços parcialmente destruídos das correias de couro do rei!

Então, Prateado, o Cão Rei disse, "Meu senhor,  pobres cães da cidade não podem entrar  nos bem-guardados terrenos do palácio. O senhor estava cego pelo preconceito. Seus cães são os culpados. Apesar disso, matar qualquer ser vivo é cometer um ato prejudicial. Isto porque aquilo que os cães sabem, mas que os homens parecem não saber - de que de alguma forma toda vida está relacionada, - então,  todos os seres vivos merecem o mesmo respeito como parentes."

A corte inteira ficou pasma pelo que acabara de acontecer. O Rei de Benares foi subitamente tomado por um raro sentimento de humildade. Curvou-se ante o cão rei e disse, "Oh, grande rei dos cães, nunca vi alguém como você, alguém que combina perfeita sabedoria com grande compaixão. Realmente, sua justiça é suprema. Ofereço meu trono e o reino de Benares a você!"

O Iluminado Ser respondeu, " Levante-se meu senhor, Não tenho qualquer desejo por uma coroa humana. Se deseja mostrar seu respeito por mim, seja um justo e misericordioso soberano. Poderia ajudar se começar por purificar sua mente praticando os "Os Cinco Preceitos." Eles servem para se parar totalmente de se cometer as cinco ações nocivas : matar, roubar, cometer adultério, mentir, e embriagar-se."

O rei seguiu os ensinamentos do sábio cão rei. Ele reinou com grande respeito por todos os seres vivos. Ordenou que todas as vezes que ele se alimentasse, todos os cães, aqueles do palácio ou os da cidade, deveriam igualmente ser alimentados. Isto foi o começo da lealdade que existe até os dias de hoje entre os cães e os homens.

 Moral da história: Preconceito conduz à injustiça, sabedoria conduz à justiça.


A tradução deste texto é uma preciosa colaboração de 
Teresinha Medeiros dos Santos - Felppondd@aol.com 
Com ilustração de Sandro Neto Ribeiro contato@maisbelashistoriasbudistas.com 

Referências  bibliográficas


Clique aqui para voltar ao Índice

As Mais Belas Histórias Budistas - http://www.maisbelashistoriasbudistas.com
e-mail: contato@maisbelashistoriasbudistas.com