O rei Fértil e a rainha Sivali  
Capítulo
II
[ Ganhando o Poder ] 


O nenê cresceu e tornou-se um menino. Seus amigos começaram a fazer troça dele por ele não ser de uma classe elevada como a deles. Então ele perguntou a sua mãe quem havia sido seu pai. Ela lhe disse para não dar ouvidos ao que as outras crianças diziam e lhe contou que seu pai foi o falecido Rei de Mithila, Fruta-Ruim, e também lhe disse como o trono lhe foi roubado por seu irmão, o Príncipe Fruta-Pobre. Depois disso, o menino não mais se incomodou quando os outros lhe chamavam de "filho de uma viúva."

Antes de ele completar 16 anos, o brilhante jovem Fértil aprendeu tudo que havia para aprender sobre religião, literatura e também sobre as habilidades de um guerreiro. Ele tornou-se um jovem muito bonito.

Decidiu que era tempo de recuperar sua legítima coroa, a qual havia sido roubada pelo seu tio e perguntou a sua mãe, "Você tem alguma das riquezas que pertenceram a meu pai?" Ela respondeu, "Claro! Não escapei de mãos vazias. Pensando em você, eu trouxe pérolas, jóias e diamantes. Assim você não precisa trabalhar por dinheiro. Vá imediatamente e tome de volta seu reino."

Porém ele respondeu, "Não, mãe, vou navegar até Burma, a terra do ouro, e fazer minha fortuna lá. Levarei apenas a metade. Sua mãe disse, "Não, meu filho, é muito perigoso sair navegando, e há suficiente fortuna aqui!" Ele respondeu, "Eu devo deixar a metade com você, minha mãe, para que você possa viver em conforto como uma rainha deve." Assim dizendo, ele partiu de navio para Burma.

No mesmo dia em que o Príncipe Fértil começou sua viagem, seu tio Rei Fruta-Pobre caiu tão doente que não mais podia sair de sua cama.

Nesse meio tempo, havia 350 pessoas no navio que se destinava à Burma. Navegaram por sete dias e então houve uma violenta tempestade que danificou e enfraqueceu o navio. Todos os passageiros, com exceção do príncipe, gritavam de medo e rezavam por ajuda aos seus diversos deuses. Mas, um Bodhisattva não chora de medo; o Ser Iluminado não reza a nenhum deus por ajuda. Em vez disso ele ajuda-se a si mesmo.

Ele encheu sua barriga com manteiga misturada com açúcar, uma vez que não sabia quanto tempo passaria até sua próxima refeição. Ensopou suas roupas em óleo para proteger-se da água fria do oceano e para ajudá-lo a flutuar. Então, quando o navio começou a afundar na água, ele segurou-se no mastro, por ser a parte mais alta do navio, e a medida que o convés afundava ele pulou para o mastro. Enquanto isso seus companheiros de bordo, que trêmulos rezavam, foram sendo sugados dentro da água e devorados por famintos peixes e enormes tartarugas.. Logo, as águas em todo o redor tornaram-se vermelhas como sangue.  

Enquanto o navio afundava, o Príncipe Fértil alcançava o topo do mastro e, para evitar ser devorado pelo mar de sangue, ele saltou pujantemente da extremidade do mastro - na direção do reino de Mithila. E, ao mesmo tempo em que ele se livrava de ser mordido pelas mandíbulas dos peixes e tartarugas, o Rei Fruta-Pobre falecia em sua cama.

Após seu potente salto do topo do mastro, o príncipe caiu dentro do mar verde- esmeralda. Seu corpo brilhava como ouro a medida que nadava por sete dias e sete noites. Percebendo que era o dia de jejum da lua cheia, ele então purificou sua boca lavando-a com água salgada, e observou o  ' Treinamento dos Oito Passos.'

Uma vez, num passado muito distante, uma deusa foi apontada pelos deuses das quatro direções para ser a protetora dos oceanos, e lhe disseram que a sua tarefa era a de proteger especialmente todos aqueles que honram e respeitam suas mães e as pessoas mais velhas. Tal que, aquele que era protegido por ela, não merece cair no mar.

E sucedeu justamente que o Príncipe Fértil foi um dos que mereceu a proteção da deusa dos oceanos. Porém, durante os sete dias e as sete noites que ele estava nadando através do mar, a deusa não estava cumprindo sua tarefa e não prestou atenção a nada. Estava ocupada demais usufruindo os prazeres celestiais para lembrar de prestar atenção aos oceanos.

Até que finalmente ela lembrou-se de sua obrigação e olhou sobre os oceanos. Então viu o dourado príncipe lutando no mar verde-esmeralda, após sete dias e sete noites nadando. Ela pensou, "Se eu deixar este príncipe morrer no oceano não mais serei bem recebida na companhia dos deuses. Na verdade, ele é um Ser Iluminado!"

 Então, ela tomou uma forma de esplendor e beleza e flutuou no ar perto dele. Desejando aprender dele, a Verdade, ela perguntou, " Sem ver o litoral, por que você está tentando alcançar a ponta do oceano?"

Ouvindo aquelas palavras o príncipe pensou, "por sete dias tenho nadado e não encontrei ninguém. Quem pode ser isto?" E quando ele viu a deusa, disse, "Oh, querida deusa, eu sei que esforço é o hábito do mundo, de maneira que como estou neste mundo vou tentar e tentar, até mesmo no meio do oceano sem nenhum litoral para ser visto."

Desejando aprender mais dele, a deusa disse para testá-lo, "O vasto oceano alonga-se muito mais adiante do que você pode ver, sem alcançar um litoral. Seu esforço é inútil - pois você pode morrer aqui!"

O príncipe respondeu, "Como esforço pode ser inútil, cara deusa? Pois quem nunca desiste de tentar não pode ser censurado, nem por seus familiares aqui embaixo e nem pelos deuses acima. Não há arrependimentos, então. Por mais impossível que pareça ser, se a pessoa parar de tentar causará sua própria queda!”

Satisfeita com as respostas, a deusa protetora o testou pela última vez. Perguntou, "Por que você continua, quando não há nenhum prêmio a ser ganho exceto dor e morte?"

Ele lhe respondeu novamente, como um mestre a seu discípulo, "No mundo, esta é a maneira pela qual as pessoas fazem planos e tentam alcançar seus objetivos. Os planos podem ter sucesso ou falhar - somente o tempo dirá - mas, o valor se encontra no esforço por si mesmo, no momento presente. E, além disso, oh deusa, você não percebe que as minhas ações já trouxeram resultado? Meus companheiros de bordo somente rezavam e eles estão mortos! Eu tenho nadado por sete dias e sete noites - e eis que você está aqui, flutuando sobre mim! Portanto, continuarei a nadar com toda minha força, atravessando até mesmo o vasto oceano, para alcançar o litoral. Enquanto eu tiver uma onça de peso de força irei tentar e tentar novamente."

Completamente satisfeita, a deusa do oceano que protege a bondade disse, "Você, que bravamente luta com o poderoso oceano contra inúteis desigualdades; você, que se recusa a escapar do trabalho à sua frente, vá aonde quer que seu coração deseje! Pois você tem minha proteção e ninguém poderá fazer você parar. Apenas me diga aonde quer que eu lhe leve."

O príncipe lhe disse que desejava ir para Mithila. A deusa gentilmente o suspendeu como se fora um buquê de flores e colocou-o junto ao peito como o faz uma carinhosa mãe com seu nenê recém-nascido. Voou pelo ar, enquanto o Ser Iluminado dormia embalado pelo seu corpo celestial.

 Chegando a Mithila, ela o colocou sobre uma pedra sagrada em um jardim de mangas, e disse às deusas do jardim para olharem por ele. Depois, a deusa protetora dos oceanos retornou à sua morada no mundo celestial.

O falecido Rei Fruta-Pobre não havia deixado nenhum filho, apenas uma filha. Ela era bem educada e sábia e seu nome era Princesa Sivali. Quando o rei estava morrendo, seus ministros o perguntaram, "Quem irá ser o próximo rei?"  O Rei Fruta-Pobre respondeu,

"Qualquer um que possa agradar minha filha Sivali; qualquer um que reconheça o esquadro na cabeceira da cama real; qualquer um que possa esticar um arco que somente mil homens poderiam esticar; ou qualquer um que possa achar os 16 tesouros escondidos." 

Após o funeral do rei, os ministros começaram a procurar pelo novo rei. Primeiro procuraram por alguém que pudesse satisfazer a princesa e convocaram o general do exército.  

A Princesa Sivali, desejando testá-lo, para que Mithila pudesse ter um forte líder, disse-lhe para vir até ela. Imediatamente ele correu escada real acima. Ela disse, "Prove o máximo de sua força correndo no palácio de ponta a ponta." Pensando apenas em agradar a princesa, o general correu para trás e para a frente até que ela o mandou parar. Então ela disse, "Agora pule para cima e para baixo." Novamente o general fez como ela ordenou sem nem pensar. Finalmente a princesa disse-lhe, "Venha aqui e massageie meus pés." Ele sentou em frente a ela e começou a friccionar seus pés.

Subitamente ele colocou seu pé contra o peito do general e o empurrou escada real abaixo. Voltou-se para seus acompanhantes e disse, "Este tolo não tem senso comum. Ele pensa que força é apenas correr ao redor, pular para cima e para baixo e seguir ordens, sem pensar. Ele não tem força de caráter e lhe falta o poder necessário para governar um reino. Portanto, tirem ele daqui de uma vez!"

Depois, ao ser indagado como fora o encontro com a princesa o general disse, "Eu não quero falar sobre isto. Ela não é humana!"

A mesma coisa aconteceu com o tesoureiro, o caixa, o guardador do selo do palácio real, e com o espadachim real. A princesa os achou todos, uns tolos. Então, os ministros desistiram de encontrar alguém que satisfizesse a princesa, e tentaram encontrar alguém que pudesse esticar um arco que somente mil homens poderiam esticar. Porém, novamente, eles não o puderam encontrar. Da mesma forma, não conseguiram encontrar alguém que reconhecesse o esquadro na cabeceira da cama real, ou alguém que pudesse achar os 16 tesouros.      

Os ministros tornaram-se mais e mais preocupados pelo fato de não conseguirem encontrar um rei adequado. Decidiram consultar o sacerdote da família real. Este lhes disse, "Fiquem calmos, meus amigos. Vamos proceder ao festival da carruagem real. Aquele para quem a carruagem parar, será apto a governar sobre toda a Índia."

Portanto eles decoraram a carruagem e emparelharam nela quatro dos mais belos cavalos reais. O sumo sacerdote salpicou a carruagem com água benta tirada de uma sagrada jarra de ouro e proclamou, "Agora vá adiante, carruagem sem cavaleiro, e encontre alguém digno, com mérito bastante para governar o reino."

Os cavalos puxaram a carruagem ao redor do palácio e depois abaixo pela avenida principal de Mithila, seguidos por quatro exércitos - elefantes, carruagens pequenas, cavalaria e soldados a pé.

Os mais poderosos políticos da cidade estavam na expectativa de que a procissão parasse em frente à suas casas. Mas, em vez disso, ela deixou a cidade pelo portão do leste e foi diretamente para o jardim de mangas, onde parou em frente à pedra sagrada onde o Príncipe Fértil estava dormindo.

O chefe dos sacerdotes disse, "Vamos testar este homem adormecido para ver se ele é digno de ser rei. Se for, não irá se assustar com o barulho dos tambores e instrumentos de nossos quatro exércitos." Fizeram, então, um ensurdecedor barulho mas o príncipe apenas virou-se para o outro lado, continuando a dormir. Eles fizeram mais barulho, ainda mais ensurdecedor, porém o príncipe simplesmente virou-se de um lado para o outro como antes.

O chefe dos sacerdotes examinou a sola dos pés do adormecido e disse, "Este homem pode reinar não apenas Mithila mas o mundo inteiro em todas as quatro direções." Então, ele acordou o príncipe e disse, "Meu senhor, levante-se! Nós rogamos que seja nosso rei."

O Príncipe Fértil perguntou, "O que aconteceu com seu rei?" O sacerdote disse, "Ele morreu." O príncipe perguntou, "Tinha ele algum filho?" "Não, apenas uma filha, a Princesa Sivali," respondeu o sacerdote. Então o Príncipe Fértil concordou em ser o novo rei.

O chefe dos sacerdotes espalhou jóias na pedra sagrada. Após banhar-se, o príncipe sentou-se entre as jóias e foi aspergido com a água perfumada da bacia de ouro consagrada. Foi então coroado Rei Fértil. O novo rei montou na carruagem real e, seguido por uma magnífica procissão, percorreu o caminho de volta à Mithila e ao palácio.

Mas a Princesa Sivali ainda desejou testar o rei. Assim, mandou um homem dizer-lhe que desejava que ele viesse até ela imediatamente. O Príncipe Fértil continuou a inspecionar o palácio com sua decoração e trabalhos de arte, ignorando totalmente o homem. O mensageiro contou o fato à princesa e ela o mandou de volta, por mais duas vezes, com o mesmo recado e com o mesmo resultado. O mensageiro lhe disse, "Este não é um homem fácil de ser dominado. Ele tem opinião própria, e deu tanta atenção para as suas palavras como nós damos para a grama que pisamos!"

Pouco depois o rei chegou à sala do trono, onde a princesa estava esperando. Caminhou firmemente subindo a escada real, sem pressa, sem delonga, porém majestoso, tal como um forte novo leão. A princesa ficou tão impressionada pela atitude dele, que foi até ele e respeitosamente deu-lhe sua mão, e dirigiu-o ao trono onde ele graciosamente sentou-se.

Então ele perguntou aos ministros, "O rei anterior deixou algum tipo de recomendação para testar o novo rei?" Ele responderam, "Sim, Senhor" Qualquer um que possa agradar minha filha Sivali.” O Rei respondeu, “Vocês viram que a princesa me deu sua mão. Tem mais outro teste?” Eles disseram,   "Qualquer um que reconheça o esquadro na cabeceira da cama real." O rei então tirou um grampo de cabelo de ouro de sua cabeça e o entregou à Princesa Sivali, dizendo, "Coloque este grampo de cabelo de ouro distante de mim." Sem nem pensar, ela o colocou na cabeceira da cama. O Rei Fértil pediu aos ministros que repetissem a questão, como se não a tivesse ouvido antes. Quando eles a repetiram, o rei apontou para o grampo de cabelo de ouro.

"Tem mais algum teste,?" perguntou o rei.

"Sim, Senhor," responderam os ministros. "Qualquer um que possa esticar um arco que somente mil homens poderiam esticar."

Quando eles trouxeram o arco, o rei até mesmo sem se levantar do trono, o esticou. Fez isto tão fácil como uma mulher pode esticar a linha de fiar emaranhada, de um carretel de linha. 

"Tem mais algum teste?" o rei perguntou. E os ministros responderam, " Qualquer um que possa achar os 16 tesouros escondidos." "Estes são os últimos testes."

"Qual é o primeiro na lista?" ele perguntou..

"O primeiro é o tesouro do sol nascente," eles responderam.

O Rei Fértil percebeu que deveria haver algum truque para encontrar cada tesouro. Ele sabia que um Buda Silencioso é freqüentemente comparado à glória do sol. Então ele perguntou, “Aonde o rei ia para encontrar e alimentar os Budas Silenciosos?” Quando eles mostraram o lugar, ele então descobriu o primeiro tesouro.

O segundo era o tesouro do por do sol.. O Rei Fértil entendeu que este deveria ser onde o antigo rei se despediu dos Budas Silenciosos. E da mesma forma ele encontrou os demais tesouros.escondidos.

As pessoas ficaram contentes por ele haver passado em todos os testes. Como seu primeiro ato oficial, ele mandou construir casas de caridade no centro da cidade e em cada um dos quatro portões. Ele doou todos os 16 tesouros para serem distribuídos aos pobres e necessitados. 

Para ambos, sua mãe, a rainha do falecido Rei Fruta-Ruim, e também para o sábio homem de Campa, ele deu as honras que eles mereciam.

Todas as pessoas do reino vieram para Mithila para celebrar a restauração da linha real. Decoraram a cidade com incenso e coroas de flores aromáticas. Proveram assentos almofadados para os visitantes. Havia frutas, doces, bebidas e comidas em toda parte. Os ministros e os ricos trouxeram músicos e dançarinas para divertirem o rei. Muitos belos poemas foram recitados por homens sábios, e bençãos cantadas por homens santos.

O Iluminado Ser, Rei Fértil, sentou-se no trono sob a branca sombrinha real. No meio da grande celebração ele parecia tão majestoso como o deus celestial, Rei Sakka. Lembrou-se do seu grande esforço lutando no oceano contra todas as desigualdades, quando até mesmo a deusa do oceano o abandonou. Somente por causa daquele esforço, quase desesperançado, ele próprio estava agora tão magnificente como um deus. Isto o encheu de tal alegria que ele falou esta rima:

“Coisas acontecem inesperadamente, e preces podem não ser atendidas,

Mas esforços trazem resultados que nem preces nem pensamentos podem trazer.”

Após a maravilhosa celebração, Rei Fértil reinou em Mithila com perfeita justiça. E ele humildemente também honrou e deu donativos aos Budas Silenciosos – aqueles budas iluminados que viveram numa época quando seus ensinos não podiam ser entendidos.

A Rainha Sivali teve um filho na plenitude do tempo. E porque o sábio homem da corte viu sinais de que ele teria uma longa e gloriosa vida, foi chamado de Príncipe Vida-Longa. Quando ele cresceu, o rei o tornou o segundo em comando.  

Veja o Capítulo III Abrindo Mão do Poder


A tradução deste texto é uma preciosa colaboração de 
Teresinha Medeiros dos Santos - Felppondd@aol.com 
Com ilustração de Sandro Neto Ribeiro contato@maisbelashistoriasbudistas.com 

Referências  bibliográficas


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