Relato de Experiência
Lonna Jennings Carter – Geórgia, Estados Unidos.
Fonte: Living Buddhism, órgão da SGI-USA, Fevereiro de 2004
Tradução: Charles Chigusa


Quando comecei a praticar o budismo de Nitiren, eu era suja, faminta e sem casa. Eu tirava baixas notas na escola, pois os colegas tiravam sarro de mim. Por causa dos problemas de ter pais alcoólatras e drogados, eu possuía uma natureza bastante agressiva e estava com somente cinco anos de idade.

Aos 18 anos, o meu pai perdeu um braço e uma perna na guerra do Vietnam e ficou viciado em morfina enquanto estava hospitalizado. Ele começou a usar heroína antes do meu nascimento. Apesar dos seus vícios e dele viver a maior parte do tempo fora dos Estados Unidos, nós nos encontrávamos algumas vezes e tínhamos um bom relacionamento. Ele bebia constantemente e fumava maconha. Nunca me lembro de tê-lo visto sóbrio. Nunca me lembro de tê-lo visto se alimentando ou dormindo.

A minha mãe era boa. Sempre brincava comigo e me levava para todos os lugares. Nós tínhamos um bom apartamento em Los Angeles e ela estava estudando Direito, mas tudo mudou quando ela começou a usar crack em 1984, um verão antes de eu iniciar no jardim de infância.

Eu voltei para Los Angeles depois de passar o verão com os meus avós em Ohio. Mesmo sendo criança, eu sabia que havia algum problema, quando a minha mãe foi me pegar no aeroporto, pois o seu cabelo estava todo desarrumado e suas roupas sujas. O nosso apartamento estava escuro e o cheiro de lixo era insuportável. O telefone estava desconectado e a luz estava prestes a ser cortada. Ao invés de brincar comigo, a minha mãe se trancava no banheiro por quatro ou cinco horas usando drogas. Ela saia sozinha e me deixava em casa por diversos dias, sem nenhuma comida. Eu não deixava o apartamento porque minha mãe me dizia que a polícia viria e me levaria ao saber que um criança estava em casa desacompanhada. Eu tinha medo de dormir e acordava durante a noite, chamando pela minha mãe. Mas não havia nenhuma resposta.

Neste ano, eu recebi uma bolsa de estudos numa escola primária em Santa Mônica. Os meus colegas chegavam em Mercedes, BMW e limousines. Eles tinham roupas limpas, bolsas cheias de materiais escolares e todo o tipo de guloseimas como merenda. Eu chegava na escola de ônibus público, não tinha bolsa, material escolar, nem lanche, porque a minha mãe usava o dinheiro para comprar drogas. Depois de duas semanas na escola, os meus colegas não queriam passar o intervalo comigo e eu implorava pelos restos de comida.

Eu tive outros obstáculos na escola. Eu podia ler, fazer contas matemáticas, mas dava trabalho para os professores e as minhas notas eram baixas. Eu estava com fome e suja numa escola cheia de crianças ricas que tiravam sarro de mim. Eu ficava nervosa e preocupada durante todo o dia, pensando se a minha mãe não viria me pegar na escola pois estaria na cadeia ou morta. Os meus problemas foram diagnosticados como Desordem de Deficiência de Atenção. A minha mãe se recusou a me dar os medicamentos, dizendo que uma pessoa usando drogas na casa já era o suficiente.

No fim deste mesmo ano, eu comecei a apreciar e compreender a razão de eu ter entrado nesta escola. Certa manhã, a minha mãe me deixou na escola, planejando cometer suicídio no mesmo dia, mas ela acabou entrando na Sede da SGI-USA, que ficava na esquina da minha escola.

Quando a minha mãe me pegou na escola, ela estava animada e com um sorriso disse: ¨Agora, nós somos budistas!¨. Eu respondi: ¨Ótimo, mamãe! O que são Bootists ? Nós temos que usar botas agora ? (Nota da tradução: Em inglês, a palavra budista se traduz como buddhists, que soa como Bootists – que poderia ser traduzido como aqueles que usam botas.)

Ela me respondeu: ¨Você pode recitar Nam-myoho-rengue-kyo por aquilo que quiser!¨. O budismo nos trouxe uma nova esperança e vimos os benefícios imediatamente. Em poucas semanas, estávamos vivendo num apartamento totalmente mobiliado em Beverly Hills e minha mãe conseguiu um bom emprego. As minhas notas melhoraram na escola, assim como o relacionamento com os colegas de classe. Desde então, eu sabia que iria praticar este budismo o resto da minha vida.

A vida estava melhor, mas continuava triste pois a minha mãe continuava a beber e usar drogas. Se ela realmente me amasse, porque não parava ? Embora ela não parasse após eu ter recitado o gongyo por uma, dez, ou cem vezes, eu continuava a orar. Eu tinha vergonha e raiva ao mesmo tempo. O que eu fiz para ter pais alcoólatras e drogados ? Eu queria ter pais normais e a oração me fez sentir melhor comigo mesmo.

Eu tinha seis anos quando comecei a compreender os conceitos budistas. A minha mãe lia as Escrituras de Nitiren Daishonin, o jornal World Tribune, a revista Living Buddhism (publicações periódicas da SGI-USA), assim como orientações do presidente Ikeda da SGI. Ela me explicava os conceitos budistas de forma fácil para que eu compreendesse e me incentivava a pedir orientações. Os veteranos budistas me diziam que eu era responsável pela minha própria felicidade. Eles me explicaram que apesar dos meus pais serem escravos de substâncias e agirem de forma descontrolada, eu não deveria agir da mesma forma.

Eles me incentivavam a orar para que pudesse controlar o que sentia sobre os acontecimentos ao meu redor e para que sofresse menos. Eu não sabia o que fazer e acreditava neles. Enquanto a maior parte das crianças era somente responsável pela sua lancheira, eu acreditava que eu era responsável pela minha própria vida e felicidade. Eu comecei a recitar muito daimoku, não importando o que acontecia em minha casa – e muita coisa acontecia.

Quando minha mãe não voltava para casa, eu sentava diante do Gohonzon e orava com todo o meu coração. A minha mãe sempre voltava, mesmo quando era somente por algumas horas para pensar em outras formas de obter drogas. Geralmente, ela fazia com que eu tomasse parte das suas estratégias.

¨Lonna, quando formos na casa do vizinho para usar o telefone, peça por alguns trocados que eles deixam perto do piano. Também, diga que você está faminta, pois eles irão te dar alguma coisa para comer¨, ela dizia. Muitas vezes, fingia ir até o supermercado comprar alguns mantimentos e após alguns dias, voltava sem comida e sem dinheiro. Somente com desculpas.

Qualquer trocado que eu podia economizar para comprar comida, eu tinha que esconder. Mas, a minha mãe sempre achava. Quando tinha oito anos, eu aprendi a dormir de jeans, para que pudesse guardar o dinheiro dentro do bolso. Eu achava que ela não iria roubar o dinheiro de uma criança adormecida. Eu estava errada. Por diversas manhãs, eu acordava desapontada, num apartamento vazio, como os bolsos e o estômago vazios. Quando eu era pequena, eu tive que orar muito para manter a minha sanidade mental.

Quando cresci, eu não orei tanto como eu achava que deveria. A minha vida se tornou uma total bagunça. Eu tinha morado em tantos apartamentos e dormido em tantos sofás, que eu havia perdido a conta. A minha mãe continuava a usar crack como uma chaminé e comecei a sentir que eu era um peso para ela. Em constante estado depressivo, eu pensava em suicídio. Eu pensava que eu não estando viva, a minha mãe não iria ter outra preocupação e poderia fumar crack em paz.

Eu quase desisti de estudar na sétima série. Acabei mantendo contínuas notas baixas em todas as matérias. Eu orava somente duas ou três vezes por semana e geralmente dava desculpas para minha mãe como: ¨Não tenho roupas limpas ou dinheiro para lanche, então não vou para a escola¨. Ela dizia tudo bem e voltava a dormir pelo resto do dia. Eu freqüentei uma escola pública em Los Angeles e muitos dos meus colegas também tinham lares infelizes. Diariamente, a agressão física e verbal mútua era constante.

Eu comecei a apreciar e compreender o valor dos jovens da SGI-USA. Quando participava em reuniões de jovens budistas, eu encontrava pessoas com problemas tão ruins como o meu. Alguns deles tinham pais viciados, detentos ou mentalmente doentes. Outros tinham pais divorciados ou falecidos. Mas, diferente de mim e dos meus colegas de escola, eles não despejavam suas frustrações em outras pessoas. Eles eram gentis, positivos e apoiavam uns aos outros.

Os líderes dos jovens me encorajavam a estudar e gravei uma passagem das escrituras de Nitiren que diz: ¨Aqueles que crêem no Sutra de Lótus são como o inverno, o inverno nunca falha em se tornar primavera. Nunca se ouviu falar de verão que se tornou outono. Nem de um devoto do Sutra de Lótus que se tornou um mortal comum¨. (WND, 536)

Ao ler esta passagem, eu sabia que continuando a orar, as coisas iriam melhorar sem falha. ¨O inverno nunca falha em se tornar primavera¨, eu sempre dizia para mim mesmo quando enfrentava os terrores da vida diária.

Eu comecei a apreciar e compreender o valor do estudo e comecei a apreciar a minha mãe. Eu via uma mãe que roubava e mentia. Eu via o seu namorado traficante bater nela. Ela estava em constante pressão e perigo. Apesar de tudo, eu a via orar, ir nas reuniões budistas, ler a literatura budista e compartilhar o budismo com outros. Assim, eu acabei desenvolvendo a coragem de falar sobre o budismo com os meus amigos.

A minha melhor amiga na escola tinha uma vida muito parecida com a minha. Ambos os pais usavam drogas e álcool. O seu padrasto era violento com ela e a sua mãe e um dia ela nos viu orando.

¨O que você está fazendo ? Por que está falando em chinês para um caixa ?, ela perguntou e nós explicamos.

¨Eu posso orar por qualquer coisa ? Mesmo para que o meu padrasto saia de casa ?¨  ¨Sim¨  , nós respondemos. Mas você deve recitar pela felicidade e proteção dele, também.¨  Ela orou conosco e foi para casa. Depois de vinte minutos ela nos telefonou.

¨Ele se foi¨, ela nos disse em tom de surpresa. ¨Quando eu cheguei em casa, a minha mãe me disse que ele havia se mudado. Eu não acreditei que funcionou!¨. Minha amiga continuou a recitar conosco enquanto eu vivi em Los Angeles.

Quando eu tinha doze anos, nós mudamos para Ohio para que a minha mãe pudesse entrar num programa de reabilitação para drogados. Eu morava com os meus avós numa cidade rural. A minha avó fazia um delicioso café da manhã todos os dias e me fazia ir para a escola. Eu começava a orar dentro do ônibus escolar. O meu avô me ajudava na lição de casa. Assim, eu voltei a ter um melhor desempenho e manter uma média alta nas notas da escola.

Eu estava tão feliz que a minha mãe estava sóbria, mas grandes obstáculos iriam aparecer depois. O meu pai nos visitou em 1996, vindo da República Dominicana. Quando eu o vi, ele me disse que estava doente e iria morrer em breve, mas estava acostumada com estas palavras.

Ele me prometeu comprar meu vestido de formatura no próximo sábado, mas devido a falta de comunicação, eu não o encontrei naquele dia. Ele ficou chateado e acabamos brigando. Com isto, ele voltou para a República Dominicana e acabou falecendo uma semana depois.

Eu fiquei devastada e não fui para a escola, orei ou estudei por uma semana. Quando voltei e tive provas, as minhas notas haviam desabado.

Eu fui morar com a minha mãe que estava no segundo ano da faculdade de Direito e estava sóbria por três anos. A sua prática estava forte, assim como ela. Assim, entrei numa escola preparatória para o vestibular e voltei a orar todas as manhãs. Eu graduei com notas altas e fui aceita pela Universidade de Akron – alma mater da minha mãe. Em pouco tempo, ela mudou para a Geórgia para trabalhar na Suprema Corte do Estado.

Eu estava sozinha de novo. Parei de orar e fiquei depressiva. Comecei a beber e fumar maconha regularmente e parecia que tinha o mesmo carma dos meus pais. Ia para as classes uma vez por semana e não prestava nenhuma atenção. Acabei desistindo e fui para a Geórgia.

Quando comecei  a orar novamente, percebi a minha constante tendência em permitir as circunstâncias interferirem no meu desempenho escolar. Eu lia uma passagem das escrituras de Nitiren todos os dias. ¨Embora eu e meus discípulos, mesmo que ocorram vários obstáculos, desde que não se crie a dúvida no coração, atingiremos naturalmente o estado de Buda. Não duvidem os benefícios do Sutra de Lótus, mesmo que não haja proteção dos céus. Não lamentem a ausência de segurança e tranqüilidade na vida presente. Embora tenha ensinado dia e noite a meus discípulos, todos, criando a dúvida, abandonaram a fé. O que é costumeiro no tolo é esquecer nas horas cruciais o que prometera nas horas normais¨. (WND, 283)

Eu determinei a mudar a minha inconstante performance escolar orando todas as manhãs e noites. Eu determinei mudar qualquer tendência que tinha dentro de mim e comecei a compreender que fé é igual a vida diária. Quando oro, a minha vida se tranquiliza e quando paro de orar e como se a minha vida fosse tragada pelas minhas tendências negativas.

Eu voltei para a Universidade de Akron no verão de 2000. Eu tinha uma média de 2.1 e decidi elevar para 3.0 até minha formatura. As minhas notas melhoraram e me graduei em dezembro de 2003 em Comunicação Organizacional e Administrativa com uma média de 3.114. No ano de 2004 comecei a Faculdade de Direito.

Eu estou limpa e sóbria, e posso dizer que mudei o carma da minha família. Eu me sinto afortunada pelos meus pais, pois eu pude me levantar e assumir a responsabilidade pela minha vida desde pequena.

Assumir a responsabilidade desde a tenra idade não é algo novo no budismo. Nitiren Daishonin tinha 12 anos quando deixou a sua casa para estudar os sutras budistas. Sakyamuni tinha 19 anos quando renunciou sua vida real em busca da iluminação. Nikko Shonin se tornou um discípulo de Nitiren quando tinha 13 anos. Daisaku Ikeda se associou a Soka Gakkai aos 19 anos. Quando mais cedo os jovens apreciam e compreendem que são responsáveis pela sua própria vida e felicidade, mais fortes serão.

 Por Barbara Latimer Jennings – Geórgia - USA
Fonte: Living Buddhism, órgão da SGI-USA, Fevereiro de 2004

Tradução:
Charles Chigusa

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