Relato de Experiência
James
Lecesne - EUA
Fonte:
Living Buddhism, órgão da SGI-USA, Junho
de 2001
Tradução: Charles Chigusa
Meu
nome é James Lecesne e quando me tornei budista em 1984, eu não entendi o
significado do que estava fazendo. Embora alguém tenha mencionado a idéia de
revelar o meu estado de Buda ou da possibilidade de alcançar o estado de
verdadeira felicidade ou mesmo, de que eu poderia encontrar sabedoria, no
fundo, eu não estava ouvindo.
Como
muitas pessoas, eu aceitei o budismo de Nitiren Daishonin porque eu estava
desesperadamente buscando melhorar a minha vida. Por quase dez anos eu estava
lutando para ser ator e escritor enquanto mantinha uma vaga noção de que
algum dia eu iria contribuir de forma significativa para o mundo, através do
meu trabalho. Mas, eu estava com trinta e quatro anos e sentia que o tempo
estava se esgotando. Assim, caso eu não mostrasse nenhuma prova real logo, já
seria tarde demais. Eu precisava mudar rápido.
No
período de um ano, desde que iniciei a recitar o Nam-myoho-rengue-kyo, a
minha vida mudou. Muitos dos meus sonhos estavam em processo de serem
concretizados e eu senti que estava no caminho de viver como sempre imaginei.
Eu já havia completado o meu primeiro roteiro profissional para o Radio City
Music Hall, estava pronto para estrear o meu próprio show na Broadway e
entrei num relacionamento que considerava estável e aconchegante. Eu vivia
cheio de vida, cheio de promessas a serem cumpridas.
Então,
eu decidi parar de praticar o budismo. Uma decisão puramente prática. Disse
para mim mesmo que o esforço físico para fazer oito shows por semana era
tamanho, que o ato de orar, poderia esperar para mais tarde. Eu convenci a mim
mesmo de que o budismo não tinha tido nenhuma influência nas minhas
conquistas e conclui que tudo iria acontecer, estando eu praticando ou não.
A
perseverança, o destino e o trabalho árduo foram os elementos que trouxeram
resultados – não, o budismo. Nesta época, eu nunca parei para considerar a
conexão entre a prática e o desenvolvimento da minha vida. Eu estava cego
para o fato de que recitando o Nam-myoho-rengue-kyo todos os dias, havia me
proporcionado uma mudança da forma como eu havia desejado.
Naturalmente,
refletindo sobre o passado, eu posso compreender que a verdadeira razão de
ter parado a prática budista, estava no ato de que a minha verdadeira
natureza estava para ser revelada, e eu não estava preparado.
Dois
meses depois de ter interrompido minha prática, o meu show foi
inesperadamente cancelado, o meu relacionamento acabou e eu estava
literalmente na rua, procurando por um emprego e um lugar para viver. Foi uma
época muito difícil, em que acusei a mim mesmo e aos outros, pela repentina
onda de má sorte. Embora, eu sempre tenha mantido o Gohonzon comigo em todas
as minhas mudanças, eu não orei diante dele e certamente não reconhecia o
meu potencial. Similarmente, eu não conseguia enxergar o meu próprio poder
interior.
Após
sete anos, enquanto eu estava reclamando da minha vida com minha amiga, Eve,
ela sugeriu que fossemos ao seu apartamento e começou a recitar o
Nam-myoho-rengue-kyo. Eu lhe narrei toda a minha história e expliquei a razão
de não ver muito sentido na prática. Na minha mente, estava provado que se
deve ser cuidadoso com os objetivos das suas orações, porque elas podem te
levar ao desapontamento. Logo, ela apontou para o óbvio fato que neguei nos
últimos sete anos. Enquanto eu estava recitando, a minha vida pareceu
melhorar, mas quando parei, a minha vida se mostrou mais difícil. Eve sugeriu
que tentasse praticar uma vez mais, como uma experiência, somente para ver se
as circunstâncias iriam melhorar. Desta forma, eu poderia testar a lei de
causa e efeito em minha própria vida, através da oração.
Era
como se alguém tivesse me revelado uma equação matemática básica para
mim, uma equação que sempre esteve lá, sempre verdadeira. Mas, porque eu não
tive a sabedoria necessária para compreender, a simples lei de causa e efeito
permaneceu escondida para mim, um mistério dentro da minha própria existência.
Eu
fui para casa e imediatamente reconsagrei o meu Gohonzon. Em questão de dias,
três para ser mais exato, a minha vida começou a melhorar. As oportunidades
começaram a surgir rapidamente e aquelas pequenas conexões místicas surgiam
frequentemente. Era como se eu estivesse ligado numa corrente elétrica e a
minha vida estava jorrando energia. As oportunidades para escrever e
interpretar surgiram e eu comecei a coordenar trabalhos para pessoas com doenças
fatais. Logo, consegui um emprego neste local. Pela primeira vez, em sete
anos, eu reconheci a mim mesmo como estando vivendo direito.
Mas
este foi somente o início.
Certa
manhã, eu estava ouvindo o rádio sobre o suicídio de um adolescente. Eu
fiquei perplexo em saber que trinta e três por cento dos suicídios entre
adolescentes nos Estados Unidos estão relacionados com a homossexualidade. O
meu pensamento imediato foi – Por que ninguém está fazendo nada para
convencer estes jovens de que suas vidas são valiosas ? Por que ninguém
consegue convencê-los de que são perfeitos da forma como são ?
Então
eu comecei a lembrar da minha própria adolescência, a dor da vergonha e de
ser diferente, a preocupação constante que vivia em ser como um forasteiro
devido a minha orientação sexual.
Desde
quando era garoto, eu sabia que esta diferença era uma parte essencial de
mim. Não era algo que havia escolhido, era simplesmente eu. Isto influenciou
a forma como percebia as pessoas, os lugares e as coisas ao meu redor e também
a maneira como eu me permiti a viver o mundo ao meu redor. De fato, era parte
da minha verdadeira natureza e não
podia negar a minha homossexualidade, assim como não podia negar, a cor da
minha pele ou o simples ato de estar vivo. Não foi sempre fácil aceitar esta
diferença, mas ao mesmo tempo, isto contribuiu para a minha habilidade como
artista, como amante – mesmo como um Buda.
Em
suas escrituras, Nitiren define a realidade como a verdadeira natureza de
todos os fenômenos. Um dos maiores benefícios de ser humano e budista e que
me foi concedido a oportunidade de descobrir a minha verdadeira natureza deste
fenômeno. Eu vivenciei que através da recitação do Nam-myoho-rengue-kyo e
perguntando a mim mesmo: O que existe dentro de mim que é único ?
O que posso fazer neste mundo que nunca foi feito anteriormente ? e
Como posso manifestar a mais perfeita expressão do meu eu ?
Orar
me deu a capacidade de manifestar esta realidade dentro das profundezas da
minha vida, e não somente para que eu possa percebê-las, mas que outros também
as vejam.
No
dia que ouvi esta notícia, eu sentei e comecei a escrever um roteiro. Era
sobre um menino de treze anos, chamado Trevor, que através de várias
passagens do seu diário, começa a descobrir a sua sexualidade e sente que é
diferente do mundo. Apesar da rejeição dos seus amigos, da incompreensão
dos seus pais e de uma tentativa de suicídio mal-sucedida, Trevor triunfa e
escolhe viver um dia a mais.
Esta
narração bem-humorada e comovente de um jovem gay e a sua determinação em
viver tornou-se parte de um show que apresentei, sob o título – Word of
Mouth.
Apresentado
na Broadway, o show foi um sucesso e foram concedidos os prêmios de The New
York Drama Desk e The Outer Circle Critics pela melhor interpretação em Nova
Iorque, no ano de 1995.
Trevor
tornou-se fonte de inspiração de um curta-mensagem, que venceu o Oscar de
Melhor Curta Metragem, assim como recebeu prêmio nos festivais de Berlim,
Hamptons e Sundance Film. O filme teve um enorme impacto sobre as pessoas, não
somente pela mensagem positiva, mas porque reflete a luta de muitas pessoas em
revelar o seu verdadeiro eu e valorizar a sua diversidade no mundo.
Quando
o canal HBO decidiu passar o filme em 1998, eu estava trabalhando com Peggy
Rajski e Randy Stone na criação de uma organização sem fins lucrativos e
comecei a operar a primeira e única linha 24 horas para prevenção de suicídios
entre jovens gays, lésbicas e transsexuais. Sob o nome de Trevor Helpline,
recebemos mais de 1.500 ligações nas primeiras semanas de operação e as
chamadas continuam numa média de 150 por semana. O site
www.thetrevorproject.org
chega a ter uma média de 5 mil acessos semanais e o filme de 16 minutos de
duração é mostrado regularmente no canal a cabo HBO, com a apresentação
da atriz Ellen DeGeneres. O Trevor Helpline está disponível em todo o território
americano para todos aqueles que precisam de ajuda.
Através
da história de Trevor, que foi extraída das profundezas da minha vida, esta
se expandiu miraculosamente ultrapassando o tempo e espaço, tocando o coração
das pessoas e em alguns casos, salvando vidas. Nós contamos com o apoio de
diversos pessoas do ramo artístico como Sting, Jodie Foster, Martin Scorcese
e Diana Ross que generosamente doaram o seu talento, dinheiro e apoio para
fazer este filme. E celebridades como Gillian Anderson, Joy Behar, Drew Carey
e Margaret Cho que colaboraram para arrecadar fundos para o Trevor Helpline,
aparecendo nas atividades beneficientes em Los Angeles e Nova Iorque.
Quando
eu comecei a orar em 1984, eu somente queria mudar a minha vida. Talvez também
quisesse mudar a mim mesmo. Mas o budismo de Nitiren me ensinou que, antes de
tudo, ninguém precisa mudar a si mesmo para se tornar um Bodhisattva da Terra
ou se tornar um Buda nesta existência. No ato de abraçarmos cada aspecto de
nossa verdadeira natureza, nós podemos transformar todas as circunstâncias
negativas em positivas, não somente para si, mas para com os outros.
No
meu caso, a vergonha, confusão e frustração que senti ao assumir
abertamente a minha homossexualidade no mundo artístico se transformou, através
da prática budista, em algo benefíco, algo a ser celebrado e algo que não
posso imaginar viver sem.
Na
escritura, A Essencia em Atingir o Estado de Buda, Nitiren declara: Não é o
significado do sutra que o caminho para o estado de Buda reside dentro dos
dois elementos da realidade e sabedoria ? A realidade significa a verdadeira
natureza de todos os fenômenos, e sabedoria significa iluminar e manifestar a
verdadeira natureza...Quando esta realidade e sabedoria se fundem, se atinge o
estado de Buda na presente forma. (Major Writings of Nitiren, pág.746).
Certamente,
esta passagem deve encorajar cada um de nós a continuamente desbravar não
somente a nossa verdadeira natureza, mas também a desenvolver a sabedoria
para enxergar a natureza manifesta no mundo. Eu aprendi que não preciso mudar
ou negar quem eu sou, para tornar meus sonhos em realidade. Eu tenho tudo que
preciso para ser um Buda neste mundo – em minha forma presente.
Fonte:
Living Buddhism, órgão mensal da SGI-USA, Junho de 2001 Tradução:
Charles Chigusa
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